sábado, 15 de abril de 2017





Amanhã meu amor,

amanhã faço poemas com os teus dedos donde nascem flores,
amanhã escrevo-te cartas com os lábios a tremer de frio,
amanhã adormeço desperta no canto mais canto que houver da tua voz,

amanhã meu amor,
verei todas as folhas amarelas que nascem do chão e regressam aos ramos dos teus braços,
amanhã vou dançar no silêncio proibido que te cala,
amanhã fecho os olhos e finjo que estou acordada
para que me toques as pálpebras com a respiração ofegante de quem cega,

amanhã meu amor,
abro as janelas do peito onde nascem estrelas sem céu,
abro a cama e procuro-te debaixo dela,
dou-te a mão para que me encontres no mapa da pele dorida,
para que me encontres talvez no mesmo sítio de sempre onde nunca foste,

amanhã meu amor,
dedico-te o vento que roça as estátuas já esverdeadas da tua cidade,
faço-te promessas de palavras que não existem,
desafio-te para um duelo de um só combatente,
deixo-te sozinho comigo encostada aos teus ombros de lava,

amanhã meu amor,
vou cantar canções na rádio da frequência 0.00,
vou atirar-te areia com os pés no meio de lugar nenhum,
devolvo-te as minhas ideias que nunca ouviste porque não sei dizê-las com boca nem mão,

amanhã meu amor,
vou gostar de ti como se fosses uma manga doce,
vou ter medo das paredes intactas do teu ser,
vou gritar às raízes das árvores por não as ser,
vou girar à volta do mundo sem sequer o saber,

amanhã meu amor,
vou desenhar a lápis de cera como as crianças,
dar-te um desenho de que me vou esquecer,
amadurecer à tua espera, à espera de me ver em ti,

amanhã meu amor,
vou fazer malabarismo com o tempo,
desprender-te da liberdade, da minha liberdade,
aconchegar-te à noite sem saberes,

só porque amanhã meu amor,
amanhã,
vou continuar a gostar de Ti.

Raquel Lacerda

Extraído do livro, Os Dias do Amor
(Inédito)

Pag 410



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/



A FADA DO POMBAL.

Era tão menina,
Dotada de um olhar de água, onde um fundo de medo sempre havia.
Dormia num beco solitário.
Só as pombas tinha na noite por companhia.
Um outro tempo, num dia de luar.
Alguém se abeirou a mão lhe deu.
Sorriu-lhe ela confiou.
Por uma escadaria iluminada a levou.
E disse á velha governanta.
Cuida desta flor, perfuma-a, penteia-a com amor.
Um tempo depois, já alindada.
Parecia boneca de porcelana.
Se sentou numa sala entre pratas. castiçais acesos, 
argolas nos guardanapos, 
pratos ornados de flores, imensos copos.
Perguntou! Se podia colher do prato as flores,
E para que eram tantas as jarras alindar a tolha bordada, 
antiga fiada e tecida em manual tear.
Riu o amavel protetor.
Respondeu.
Os pratos são de um país distante.
Os copos são para beber água e licores. Soltou a criança um riso estonteante.
Tlintou em cada copo. um beijo de cristal.
Fingiu colher do prato as flores.
Disseram-lhe tens de provar o manjar, porque tens de mulher te fazer e feliz ser.
A noite desceu,
Num quarto todo azul, parecia o céu.
Custou-lhe a adormecer, faltavam as pombas a cantar.
O luar a espreitar pelas frinchas das telhas já tão velhas,
As estrelas teimavam em brincar, até ela por fim adormecer.
Dormiu, entre lençois de seda, Sonhou com o céu as aves em bando. 
Foi correndo o tempo, Ela cresceu, estudou medicina, 
Musica aprendeu. A velha ama um dia não mais acordou. 
O seu protetor, sentado na poltrona não se cansava de a olhar. 
Seria ela um dia a ter tudo que ele possuia.
Um dia... ELA fundou um lar para familias desavindas.
Onde todas as crianças tinham um quarto azul para sonhar.
No jardim ladeado de magnolias floridas.
Havia um pombal enorme onda as rolas e pombas nidificavam.
A vida era sempre uma festa nesse jardim.
As crianças ali cresciam felizes.
O abrigo tinha por nome,
O SOLAR DOS GIRASSÓIS.
" só escrevi porque me é dado o direito de sonhar "


Augusta Mar.


Foto: by Mikhail Grafik

sexta-feira, 14 de abril de 2017





Amo-te Por Todas as Razões e Mais Uma

Por todas as razões e mais uma.
Esta é a resposta que costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo.
Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém.
Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar.
Amo-te porque me fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem.
E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches
a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga.
E porque me confundes e porque me enfureces
e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar
e porque amar-te é uma aventura.
 Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez.
E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer.
E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho.
Estas são todas as razões.

Mas há mais uma: porque não pode existir outra como tu.


Joaquim Pessoa, 
in 'Ano Comum'




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quinta-feira, 13 de abril de 2017






INOCENCIA


Na tarde calma, um rumorejar de águas.
Caminhava, perdida dentro de mim,
Só meus olhos ávidos, bebiam a brisa que adejava.
Tão distantes minhas mãos,
Tão altivos os pássaros,
Afagava-os seguindo, seu cantar.
Perdiam-se na lonjura,
Entre o sol que os beijava,
E a nuvem que num azul pleno esvoaçava.
Caminhando rente ao espelho de água,
Via minha silhueta desenhada.
Mágica sombra, desta alma agreste que sonhava.
Na torrente, se embalavam, libelinhas de cristal á flor das águas
Meus olhos enamorados pelo correr das águas,
Desdobravam o leque do tempo…
Era magnifico, raiado de sol e violetas.
Cantavam nele fontes refrescantes.
Borboletas, mil… asas de pétalas de flor
Eu corro com pés de bailarina,atrás de borboletas.
Rio, tendo nesse riso a magia.
Dessa criança irrequieta.
Permaneço nesse tempo,
Por gosto, pela ingenuidade dos gestos.
Pela sensação de pureza que ali encontro.
Por ser o meu refugio,
Por ser o tempo em que aprendi a sonhar.
Caminha essa criança a mulher madura pela mão.
Indicando com seu dedo infante.
O caminho mais bonito para alindar o coração.
Dá á criança o gosto de colher,
As grandezas que escolhe o coração,
Os brilhos de água, a voz do vento.
Os reinos encantados que as libelinhas têm nas asas.
O bailado da folha á tona de água.
A pérola que lhe assoma o doce olhar…
Tendo nas mãos a inocencia da frágil semente,
Que o vento espalha e entoa, no mágico silencio…
Amar… amar… amar!!!


Augusta Maria Gonçalves
13/4/2016



Fonte:https://www.facebook.com/augustamaria.goncalves
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quarta-feira, 12 de abril de 2017





Quanto Mais Amada Mais Desisto


De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.



Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.


Natália Correia, 
in "O Dilúvio e a Pomba"


Fonte: http://www.citador.pt/
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terça-feira, 11 de abril de 2017




O sorriso das pernas

Vieste sem perguntas, como quem caminha
pela estrada e não pára à entrada da casa.
Cortaste-me o pão aos pedacinhos,
fizeste o ninho na almofada onde o meu sono dorme
com as histórias que desdobras no lençol.
Dei cor aos nomes com as letras devastadas,
comi a fruta com os teus dedos, deitei-me
entre o polegar e teu médio, entre os duendes
da clareira que abriste para o dia.
Cantaste a minha dor e dela fiz a manta que nos cobre.


Voltei a ser o sorriso das pernas,
o sopro na voz que chega onde estiveres.
Agora que não há perto ou longe, ou coisa que faça mal,
que tudo se toca por dentro do devir,
deixo um nenúfar à porta para quem chegue com o fardo da noite.

E faz-se luz com as pétalas abertas do teu nome.


Rosa Alice Branco


 Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/



segunda-feira, 10 de abril de 2017




Dois

Homens são passos; mulheres são perfumes
Que se aproximam, param e se esquivam
Sem lançar raízes nessa treva.
Beijam-se às vezes, como num murmúrio,
Pra depois, num mundo só de beijos.


Lya Luft









Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/





Poesia Depois da Chuva
                         (a Maria Guiomar)

Depois da chuva o Sol - a graça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
luz a fluir, num fluir imperceptível quase.
Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.

O fundo é branco - cal fresquinha no casario da praça.
Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.
Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!... Pura imagem da Tarde...
Flor levada nas águas, mansamente...
(Fluía a luz, num fluir imperceptível quase...)


Sebastião da Gama,
in 'Pelo Sonho é que Vamos'



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domingo, 9 de abril de 2017








A tempestade


Estão calmos o céu e a terra – mas não adormecidos;
sem ânimo, como nós sob o efeito das grandes paixões,
e tão silenciosos como se despertássemos de profundos
                                       pensamentos.
Estão calmos o céu e a terra; desde as altas hostes
das estrelas ao lago tranquilo e às margens montanhosas,
tudo se concentra numa vida intensa
onde nem uma folha, uma brisa, um reflexo se perdem,
pois todos são uma parte do ser, do sentimento
daquele que de tudo é Criador e defensor.
Agita-se assim a emoção do infinito, sentida
neste abandono em que o homem está menos sozinho;
a verdade que em todo o nosso ser se funde
e nos purifica de nós mesmos é um acorde,
alma e fonte da música que nos ensina
a eterna harmonia, derramando um encantamento
lendário, como a cintura de Vénus,
que reúne tudo pela beleza, e desafiaria
a Morte, se tivesse o verdadeiro poder de destruir.
Não foi sem razão que os antigos Persas edificaram
as aras nos mais elevados lugares, no cume
das montanhas que contemplar a terra, e assim
                                      escolhem
um templo verdadeiro e sem muralhas, onde encontram
o Espírito – e nunca em santuários que as nossas mãos
constroem em seu louvor. Vinde então comparar
colunas e altares de ídolos, góticos ou gregos,
com os lugares sagrados da Natureza, a terra e o ar,
e não vos confineis a templos que limitam as vossas
                                     preces.
O céu mudou-se – e que transformação! Oh noite,
tempestade, trevas, sois surpreendentemente fortes,
embora sedutoras no vosso poderio, como o brilho
dos olhos sombrios duma mulher! Ao longe,
de monte em monte, entre os ecos dos rochedos
o trovão vibra. Não é duma única nuvem que vem,
mas cada montanha encontrou agora a sua linguagem,
e o Jura responde, com o seu manto de neblina,
aos jubilosos Alpes, cujo apelo ressoa vivamente.
Tudo chegou contigo – noite tão gloriosa,
a que não se destinam os nossos sonhos; deixa-me
                                     partilhar
do teu violento, longínquo encantamento
uma parte da tempestade e de ti mesma, noite!
Ah, como resplandece o lago, um fosfórico mar,
e a chuva é impelida e abate-se sobre a terra!
Mais uma vez tudo é escuridão – e, agora, a alegria
das colinas sonoras freme com todo o excesso
que delas nasce como se fosse um novo cataclismo.
…………………………………………………………………………..
Se pudesse encarnar e tirar agora do meu seio
aquilo que nele é mais profundo, se pudesse cingir
com palavras estes meus pensamentos, e assim exprimir
alma, coração, e espírito, paixões e todos os
                                     sentimentos,
ah, tudo o que poderia desejar, e desejo,
sofro, conheço e sinto, sem que morra, numa só palavra
– e que essa palavra fosse “Relâmpago!” – eu a diria;
mas não, vivo e morro voltando para o silêncio apenas,
com sufocadas vozes que guardo como uma espada…



Lord Byron


Fonte:https://autoreselivros.wordpress.com/2013/05/26/a-tempestade-de-lord-byron/
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/




Devaneio


Perdi-te e nunca foste meu,
Perdi-me em ti como num desejo,
Éramos só os dois: tu e eu,
Éramos alma, éramos lampejo.
Possuí-te em sortilégios secretos
Na minha pele, na carne e no meu sangue
Eras o rio profundo dos afectos
Onde mergulhava e emergia exangue.
Em ti derramei lágrimas de espantos,
Gargalhadas cálidas e anseios
Pois que eram para ti todos meus cantos
De pele, de alma e coração cheios.
Lembro-te na memória dos meus dias,
Na vida que almejava e se logrou.
És agora sombra das minhas noites frias,
Aquela sombra cujo vento olvidou.
Ficaram palavras inacabadas
Num sonho que por ser, ficou desfeito
Em longas e eternas alvoradas.
Esqueço-me de ti de manhãzinha
Quando o sol reabre a minha porta
E me chama por me julgar morta.
E nunca foram ditas as palavras
Que silenciassem madrugadas...



Tereza Brinco Oliveira, 
in Laços de Luar e Outras Histórias.



Foto: Katia Chausheva