sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

 

 

 




 

 

Recordar David Mourão-Ferreira, escritor e poeta português (1927-1996).

 

Alvorada

 

E de súbito um corpo!

Alvorada sombria,

Alvorada nefasta envolta nuns cabelos.

Eram negros e vivos. Quem sofria,

Só de vê-los?

 

Eram negros; e vivos como chamas.

Brilhavam, azulados sob a chuva.

Brilhavam, azulados, como escamas

De sereia sombria, sob a chuva...

 

Veio cedo de mais a trovoada:

O vento me lembrou

De quem eu sou.

- Alvorada suspensa! Contemplada

por alguém que chegou a uma sacada

e à beira da varanda vacilou.

 

 

David Mourão-Ferreira

 

 


 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

 

 

 


 

O Perfume

 

O que sou eu? - O Perfume,

Dizem os homens. - Serei.

Mas o que sou nem eu sei...

Sou uma sombra de lume!

 

Rasgo a aragem como um gume

De espada: Subi. Voei.

Onde passava, deixei

A essência que me resume.

 

Liberdade, eu me cativo:

Numa renda, um nada, eu vivo

Vida de Sonho e Verdade!

 

Passam os dias, e em vão!

- Eu sou a Recordação;

Sou mais, ainda: a Saudade.

 

António Correia de Oliveira, in 'Antologia Poética'