sábado, 27 de abril de 2019






Se puderes



Dobra essa esquina e abre os olhos
para me espreitares por dentro
Em qualquer pedaço de gesto, demora-te.
No intervalo da minha ausência
muda o tempo do verbo, mas não o próprio verbo
Desagua o verso sem pressa e faz fintas à vida
sem esquecer que a felicidade é um abraço
imprevisto
Se puderes
perde o rasto da razão mais-que-perfeita
e sorve o vento embalado num beijo inesquecível
a bater no chão fecundo do meu seio.
Se quiseres
vem com o vazio das mãos ávidas de mim
perseguindo o impensável sem curvas nem ossos
com o tempo a chiar e a tomar para si o pó dos dias
Se quiseres
ama esta inevitabilidade feita de um querer comum
e escreve sobre o amor abrigo ou inquietação
Depois
se puderes
se quiseres
sente as impronunciáveis emoções
e no obsceno arrepio que inventamos
a vida será chama sem palavras
e nada mais importará



Margarida Piloto Garcia




Foto:  David Dubnitskiy




Quiéreme entera


Si me quieres, quiéreme entera,
no por zonas de luz o sombra...
Si me quieres, quiéreme negra y blanca,
y gris, y verde, y rubia, y morena...
Quiéreme día, quiéreme noche...
¡Y madrugada en la ventana abierta!...
Si me quieres, no me recortes:
¡Quiéreme toda... O no me quieras!


Dulce María Loinaz, escritora cubana. (1902-1997)



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quinta-feira, 25 de abril de 2019






Oh! não tremas! que este olhar, este
abraço te digam quanto é inefável - o de
abandono sem receio, os inebriamentos de
uma voluptuosidade que deve ser eterna.
GOETHE, Fausto

Sim! coroemos as noites
Com as rosas do himeneu...
Entre flores de laranja
Serás minha e serei teu!

Sim! quero em leito de flores
Tuas mãos dentro das minhas...
Mas os círios dos amores
Sejam só as estrelinhas.

Por incenso os teus perfumes,
Suspiros por oração
E por lágrimas... somente
As lágrimas da paixão!

Dos véus da noiva só tenhas
Dos cílios o negro véu...
Basta do colo o cetim
Para as Madonas do céu!

Eu soltarei-te os cabelos...
Quero em teu colo sonhar...
Hei de embalar-te... do leito
Seja lâmpada o luar!

Sim!... coroemos as noites
Da laranjeira co'a flor...
Adormeçamos num templo
- Mas seja o templo do amor.

É doce amar como os anjos
Da ventura no himeneu:
Minha noiva, ou minh'amante,
Vem dormir no peito meu!

Dá-me um beijo, abre teus olhos
Por entre esse úmido véu:
Se na terra és minha amante,
És a minh'alma no céu!



Álvares de Azevedo, escritor brasileiro (1831-1852)




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quarta-feira, 24 de abril de 2019



Tulipas

Tulipas são excitáveis demais, é inverno aqui.
Vê como tudo está branco, tão silencioso, coberto de neve.
Aprendo a paz, deitada sozinha em silêncio
Enquanto a luz se espalha nessas paredes brancas, nesta cama, nestas mãos.
Não sou ninguém; não tenho nada a ver com as explosões.
Dei meu nome e minhas roupas às enfermeiras
Minha história ao anestesista e meu corpo aos cirurgiões.

Apoiaram minha cabeça entre o travesseiro e a dobra do lençol
Como um olho entre duas pálpebras brancas que ficassem abertas.

(...)

Sylvia Plat







Serge-Marshennikov-Artist