sexta-feira, 18 de agosto de 2017





Chamar a Si Todo o Céu com um Sorriso
que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas
aves que são os segredos da vida
o que quer que cantem é melhor do que conhecer
e se os homens não as ouvem estão velhos

que o meu pensamento caminhe pelo faminto
e destemido e sedento e servil
e mesmo que seja domingo que eu me engane
pois sempre que os homens têm razão não são jovens

e que eu não faça nada de útil
e te ame muito mais do que verdadeiramente
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse
chamar a si todo o céu com um sorriso


E. E. Cummings, in "livrodepoemas"
Tradução de Cecília Rego Pinheiro


https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quinta-feira, 17 de agosto de 2017





Engrinalda-me com os Teus Braços

Teu corpo de âmbar, gótico, afilado,
Sempre velado de cheirosos linhos,
Teu corpo, aprilino prado,
Por onde o meu desejo, pastor brando,
Risonho há-de viver, pastoreando
Meus beiços, desinquietos cordeirinhos,
Teu corpo é esbelto, ó zagaia esguia,
Como as harpas que o pai de Salomão tangia!

Teu corpo eléctrico, ogival,
Núbil, sequinho, perturbante,
É uma dispensa real:
Os teus olhos são duas cabacinhas
Cheias dum vinho estonteante
Os teus dentes são alvas camarinhas,
Os teus dedos, suavíssimos espargos,
E os teus seios, pêssegos verdes mas não amargos.

Lira de nervos, glória das trigueiras,
Como tu és graciosa! As laranjeiras,
Desde que viste o sol com esses sóis amados,
Só vinte vezes perfumaram noivados!
Nobre e graciosa és, morena das morenas,
Como as senhoras de olhos belos,
Que passeavam nos jardins de Atenas
Com uma cigarra de ouro nos cabelos!

Como tu, eu sou moço! e atrevido
Com Anceu, rei de Samos,
E jamais caçador me fez vencido,
Quando, caçando o javali, ando entre os ramos.
O meu peito é de jaspe, a minha voz macia,
Meus olhos ágeis e dourados como abelhas,
E, para que as colhas, minha boca sadia
E um orvalhado cabazinho de groselhas.

Novos e alegres somos! Ah! que em breve
Nossas bocas se colem voluptuosas;
Vamos sonhar e toucar-nos de rosas,
Enquanto há sol, enquanto não cai neve!
Não te demores,
Ó cheia de graça,
Que os dias correm voadores,
E a mocidade passa...
A mocidade passa... e, um dia, ó meus pecados,
A tua boca vermelha Será uma rosa velha,
E minhas mãos uns lírios fanados...

E então, velhinhos combalidos,
Como dois galhos ressequidos
Sem folhas e sem pomos,
Lembrar-nos-emos do que hoje somos,
Ó maravilha
De graciosidade!
Como dum filho e duma filha
Que nos morressem na flor da idade!


Eugénio de Castro, in 'Silva'



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quarta-feira, 16 de agosto de 2017





À Luz da Lua!

Iamos sós pela floresta amiga,
Onde em perfumes o luar se evola,
Olhando os céus, modesta rapariga!
Como as crianças ao sair da escola.

Em teus olhos dormentes de fadiga,
Meio cerrados como o olhar da rola,
Eu ia lendo essa ballada antiga
D'uns noivos mortos ao cingir da estola...

A Lua-a-Branca, que é tua avozinha,
Cobria com os seus os teus cabellos
E dava-te um aspeto de velhinha!

Que linda eras, o luar que o diga!
E eu compondo estes versos, tu a lel-os,
E ambos scismando na floresta amiga...


António Nobre, in 'Só'



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terça-feira, 15 de agosto de 2017




Lembrar-me-ei de ti

Lembrar-me-ei de ti, e eternamente
Hei de chorar tua fatal ausência,
Enquanto atroz saudade
Não extinguir-me a seiva da existência;
E recordando amores que frui,
Por estes sítios sempre entre suspiros
Lembrar-me-ei de ti.
De noite no aposento solitário
Cismando a sós, verei a tua imagem
Aparecer-me pálida e saudosa
Dos sonhos na miragem;
E então chorando o anjo que perdi,
Meu leito banharei de ardente pranto
Chamando em vão por ti.
Quando a manhã formosa alvorecendo
De seus fulgores inundar o espaço,
Demandarei saudoso
Esse lugar em que no extremo abraço
Teu lindo corpo ao peito meu cingi;
E deste vale os ecos acordando
Perguntarei por ti.
Quando por trás daqueles arvoredos
O sol sumir-se, vagarei sozinho
Por essas sombras, onde outrora juntos
Nos sentamos à borda do caminho;
E às auras que suspiram por ali,
Inda teu doce nome murmurando,
Hei de falar de ti.
Além, onde sonora a fonte golfa
À sombra de um vergel sempre viçoso,
Que sobre nós mil flores entornava,
Irei beijar a relva em que ditoso
Sobre teu seio a fronte adormeci,
E com a clara linfa que murmura,
Suspirarei por ti.
E quando enfim secar-se a última lágrima
Nos olhos meus em triste desalento,
Bem como a lira, em que gemendo estala
A extrema corda com dorido acento,
No sítio em que a primeira vez te vi,
Exalando um suspiro, de saudades
Hei de morrer por ti.

Bernardo Guimarães



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segunda-feira, 14 de agosto de 2017





Chamar a Si Todo o Céu com um Sorriso
que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas
aves que são os segredos da vida
o que quer que cantem é melhor do que conhecer
e se os homens não as ouvem estão velhos

que o meu pensamento caminhe pelo faminto
e destemido e sedento e servil
e mesmo que seja domingo que eu me engane
pois sempre que os homens têm razão não são jovens

e que eu não faça nada de útil
e te ame muito mais do que verdadeiramente
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse
chamar a si todo o céu com um sorriso

E. E. Cummings, in "livrodepoemas"
Tradução de Cecília Rego Pinheiro




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domingo, 13 de agosto de 2017





O Desterrado 

Como são brancas as flores 
Deste verde jasminal! 
Recorda a sua fragrância 
Perfumes dum laranjal … 
Mas têm mais suave aroma as rosas de Portugal! 
O coração desses bosques 
O brilhante e o oiro encerra; 
São imensos estes rios, imensos o vale e a serra … 
Mas não têm a formosura 
Dos campos da minha terra! 
Estes astros são mais belos, é mais belo o seu fulgor … 
Mas luzem no céu do exílio; não lhes tenho igual amor… 
Ai, astros da minha terra, quem me dera o vosso alvor! 
Que me importam os esplendores, 
prodígios que vejo aqui, aves de vivas plumagens, 
os cantos do juruty, se lhes faltam as belezas da terra onde eu nasci? 
Lá, era a lua mais linda, mais para os olhos as flores, 
mais castos os beijos dados em mais sinceros amores; 
tinham seus bosques modestos mais inspirados cantores. 
Tudo aqui veste mais galas, de mais viçoso matiz! 
Ai que importa, se a saudade ao proscrito sempre 
diz que não há terra formosa sem o sol do seu país?

Francisco Gomes de Amorim, poeta português




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