sábado, 22 de abril de 2017





A Serenata


Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardin.
Estou no começo do meu dessespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela,se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?



Adélia Prado


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/




Eu te amo


Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.

Adalgisa Nery


(Brasil 1905 – 1980)


Foto:https://www.pinterest.pt/cinafraga/

sexta-feira, 21 de abril de 2017





É por ti que escrevo que não és musa nem deusa
mas a mulher do meu horizonte
na imperfeição e na incoincidência do dia a dia
Por ti desejo o sossego oval
em que possas identificar-te na limpidez de um centro
em que a felicidade se revele como um jardim branco
onde reconheças a dália da tua identidade azul
É porque amo a cálida formosura do teu torso
a latitude pura da tua fronte
o teu olhar de água iluminada
o teu sorriso solar
é porque sem ti não conheceria o girassol do horizonte
nem a túmida integridade do trigo
que eu procuro as palavras fragrantes de um oásis
para a oferenda do meu sangue inquieto
onde pressinto a vermelha trajectória de um sol
que quer resplandecer em largas planícies
sulcado por um tranquilo rio sumptuoso


António Ramos Rosa


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quinta-feira, 20 de abril de 2017




MULHER DE PRETO


Ela vinha de preto mas trazia
a noite pendurada no vestido.
Porém não era luto mas alegria
ou a cor do pecado anoitecido
ou talvez fosse a lua que nascia
na parte do seu rosto mais escondido.
Ela vinha de preto e resplandecia
porque era a própria noite que a vestia.



Manuel Alegre






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Rosa Lobato de Faria 85 anos



Beijo a Beijo

E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.

Rosa Lobato Faria, 
in 'Dispersos'


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quarta-feira, 19 de abril de 2017




FRUSTRAÇÃO

Foi bonito
O meu sonho de amor.
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.

Diário XV


Miguel Torga - A Criação do Mundo


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terça-feira, 18 de abril de 2017




Escrevi-te versos perfumados
nos pingos da água fresca
das chuvas da madrugada!
No tempo e no infinito
do feitiço das palavras
cantei amor em céu aberto
numa melodia com o teu nome!
Gastei palavras ao vento
rimas alheias à saudade
para deter o tempo
e não despertar do sonho
onde moravas!
O mesmo sonho
onde desenhei teu rosto
e os contornos da tua boca
para marcar no teu sorriso
os meus beijos
vestidos de paixão e loucura.
Na face fria do tempo
deixo o teu silêncio falar,
e perto da alma
sopro um grito
para te sentir perto de mim,
pois amar-te, foi o meu pecado!
Agora adormeço o meu sonho
e vivo com o teu fantasma
(na minha cama)
pois das chuvas da madrugada
fica apenas a minha sede
de te beber… em AMOR.
[ © António Carlos Santos ]
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Poema: " chuvas da madrugada "
de: © António Carlos Santos
António Carlos Santos




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/




VIDA


Amparada num seio de mulher.
Mãe, sangue, amor, ternura, semente, terra.
Olhava essa mulher com esperança o céu estrelado.
Contava luas novas.
Seriam as nove luas o abrir da natureza de um humano ser.
Rasgou a pele, o fundo do ventre contraiu.
Explida fui como semente, que rasga seu casulo, talvez rompa um véu.
A mulher esqueceu a dor do esventrar sangrado o corpo em dor.
Encantada olhava a flor.
Me olhou, seu coração bateu.
Jurou ali perante a minha fragilidade amor.
Foi todo meu seu seio e regaço.
Foi todo meu seu enlevo,
Até me deu o seu cansaço.
Quando eu chorosa rasgava seu sono sereno.
Fitava com seu olhar azul céu
As gotas límpidas de mar que era meu olhar.
Num embalar de inocente ternura.
Adormecia ao peito sua flor.
Mas porque veloz o tempo foge?
Mas porque os cavalos brancos rasgam as nuvens do sonho.
A vida tem altas marés.
Sonhos irrealizáveis.
Mas memórias franjadas em recortes de asas de anjos ou aves.
Resta apenas, reconhecer a grandeza de vida dar.
Ter tantas saudades.
Mas hestoicamente viver e amar.
Vamos! Toca a caminhar.

Augusta Mar.


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/



Disse-te um dia
... que havia de dar-te uma estrela
tão real como os sonhos
do rio Guadalquivir
e o perfume adolescente
do teu corpo
a ondular na aurora de Sevilha
Não foste comigo a Barcelona
ver as pesadas corolas e os mosaicos
de La Pedrera
mas espera-me no aeroporto
de nunca antes
o rumor febril dos teu olhos
onde aprendi
que o tempo não existe
Mas a vida pode ser
também mágoa escura
bem sabes Por isso te prendo
as mãos sobre as ancas
para não fugirmos mais um do outro
e bebo todo o sol e afinal o tempo
nos teus lábios.



Urbano Tavares Rodrigues, 
em "Horas de Vidro"


Foto: pesquisa google

segunda-feira, 17 de abril de 2017




MODERNOS PAPIROS

No pasmo da noite só estrelas.
Brincam acordadas.
A dama lua se passeia arrastando um véu de luar e fantasia.
Lua cheia! Divina, prateada.
No leito das águas se reclina.
Esta distinta dama.
O rio em voz de água corredia,
Poesia declama.
A noite melodia…
Num despertar de névoas.
Os olhos buscam as trilhas para a felicidade.
Há cantares de flores a acordar.
Bocejos de lírios e tulipas, orvalhadas.
No ar perfume de asas a planar.
O peito arde,
Num sofrer de impotência perante os tempos.
Perto do abismo, valas comuns, sem clamor nem nomes.
A única palavra é insanidade.
Mais uma página se escreve no livro desorganizado do tempo.
Em folhas manchadas de dor.
Permaneça em nós um templo sem vitrais.
Iluminados apenas por cirios.
Caiam, pingos de cera, rolem lágrimas.
Cirios acesos em memória dos que emudeceram.
Haja luz a velar os que desapareceram.
Cirios a iluminar o adormecer das tardes.
Como os que se acendem aos deuses nas catedrais


Augusta Mar.

12/4/2017


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/









O MEU AMOR EXISTE


O meu amor tem lábios de silêncio
e mãos de bailarina
e voa como o vento
e abraça-me onde a solidão termina

O meu amor tem trinta mil cavalos
a galopar no peito
e um sorriso só dela
que nasce quando a seu lado eu me deito


O meu amor ensinou-me a chegar
sedento de ternura
sarou as minhas feridas
e pôs-me a salvo para além da loucura

O meu amor ensinou-me a partir
nalguma noite triste
mas antes, ensinou-me
a não esquecer que o meu amor existe



JORGE PALMA


Retratos: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

domingo, 16 de abril de 2017







° ° ° °°

Respiro o vento, e vivo de perfumes
No murmúrio das folhas de mangueira;
Nas noites de luar aqui descanso
e a lua enche de amor a minha esteira.



Álvares de Azevedo



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/




Ainda não...

Detém-te e olha à tua volta, antes, adiante.
Atentamente, olha também dentro de ti.
Há algo raro e especial neste instante,
que já não pode esperar para ser visto.
Há um sinal oculto atrás de tudo isto,
e há que lê-lo antes de seguir em frente.

Há qualquer coisa a colher, talvez a flor
de um jardim distante, antigo e esquecido.
Há um recado a entregar e a receber,
e algo a sarar, algo a polir, alguma dor.
Há uma conta a acertar, um beijo a dar,
um ponto a ver.
E há que examinar as malas e rever
se nada urgente foi deixado para trás.
ou se nada é demais,
se há peso morto a abandonar agora...

Há que escorar, ainda, um galho que está torto
de uma roseira bem ali, perto da casa.
Há uma ave que quebrou a frágil asa
e não consegue mais voar ou se mover.
Há tanto ainda para ouvir e para ver...
Não estás pronta,
não é ainda,
não é agora.

Em algum canto, há alguém que ainda chora,
e sabes que também é teu, o árduo pranto.
E há amor a cultivar e a colher, tanto...
E há mil palavras à tua espera para ser ...
Não é agora.
Não deve ser.

Recolhe em ti todo teu ímpeto e cansaço,
guarda contigo teu assombro e traz teu encanto.
Quando te fores, antes do último passo,
tudo há de estar quitado e pacificado.
Não porque temas ou infernos ou pecados,
mas porque sabes que é este o teu dever.

Sabes que há em ti duas vozes, pelo menos,
e uma ainda deve à outra o grande acerto
antes do qual não há epílogos ou acenos
mas só o imperativo:
Deves Ser.
E, isto sim,

é para agora.





Fonte: Poesia filosófica da profª Lúcia Helena


http://luciahga.blogspot.pt/