sábado, 29 de abril de 2017




As lágrimas e as memórias
num terraço branco.
Um ramo de sol
na pele das paredes.
O gume dos olhares
e as sombras dobradas à janela.
O suor das incertezas
no aço das cortinas.
O sol amaciou e perdeu-se no dia
como se perde o tempo no relógio,
e nos dedos da casa as lágrimas
falam-me de ti.


[ © António Carlos Santos ]


sexta-feira, 28 de abril de 2017






É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.



Cecília Meireles


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quarta-feira, 26 de abril de 2017




Os dias e as noites
fazem-se irmãs da saudade.
As gotas sufocantes
abraçam-se à água tristonha .
O vento assobia entre os dedos
o fim das palavras.
Os últimos beijos
pedem perdão pela tristeza.
Os sorrisos que levam nos ombros,
ausências e falta de cor,
tresandam a quimeras tardias.
Mas aqui é o meu lugar…
Ofereço-te assim os “porquês”
do voo incerto das gaivotas.
[ © António Carlos Santos ]
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" requiem "

In. "50 Anos, 50 Poemas" ( Seda Publicações )


Foto: Pesquisa Google



Sem palavras

A vida inteira busquei
explicações e deciframentos:
encontrei silêncio e segredo,
às vezes o conforto de um ombro,
outras vezes
dor.

No último lapso
de um tempo sem limites
-embora a gente o queira compor
em fragmentos-,
abriram-se as águas
e entrei onde sempre estivera.
Tudo compreendido
e absolvido,
absorta eu me tornei
luz sem sombra:
assombro.


(Autora :Lia Luft)


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

terça-feira, 25 de abril de 2017


Nátália Correia - Poetisa, romancista, ensaísta, jornalista e dramaturga


Soneto de abril


Evoé! de pâmpano os soldados 
rompem do tempo em que Evoé!
 a terra
salvé rainha descruzando os braços
com seu pé de papiro pisa a fera.
Na écloga dos rostos despontados 
onde dos corvos se retira a treva,
de beijo em beijo as ruas são bailados 
mudam-se as casas para a primavera.
Evoé! o povo abre o touril
e sai o Sol perfeitamente Abril 
maravilha da Pátria ressurrecta.
Evoé! evoé! Tágides minhas
outras vez prateadas campainhas
sois na cabeça em fogo do poeta.


- Natália Correia, 
em "PoemAbril- antologia de autores. 

[organização Carlos Loures e Manuel Simões]. Coimbra: Fora do Texto - Cooperativa Editorial de Coimbra, 1994.



Fonte: http://www.elfikurten.com.br/2016/04/natalia-correia-poemas.html
Imagem: Pesquisa Google

segunda-feira, 24 de abril de 2017




O Espelho de Água

O meu espelho, mais profundo que a orbe
Onde todos os cisnes se afogaram.

É um tanque verde na muralha
E no meio dorme a tua nudez ancorada.

Sobre as suas ondas, debaixo de céus sonâmbulos,
Os meus sonhos afastam-se como barcos.

De pé sobre a popa ver-me-eis sempre a cantar,
Uma rosa secreta cresce no meu peito
E um rouxinol ébrio esvoaça no meu dedo.

Vicente Huidobro, Chile
1893-1948
(O Mar na poesia da América latina)

Tradução de poemas

José Agostinho Baptista





Toma-me

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.



Hilda Hilst



domingo, 23 de abril de 2017





Levare-te-ei ao inferno
para te dar um beijo ardente
E meus braços queimarão
Ao agarrarem teu corpo em brasa

Quero te ter louca, cálida,densa, inconsequente
Pra viver contigo um romance tórrido eternamente
E exorcisar de mim este sentimento que me abrasa

Levare-te-ei ao inferno
Pra que tu sejas meu paraiso
Te levarei ao inferno para te dar um beijo ardente

Augusto Branco



Fonte : https://pensador.uol.com.br
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/