sábado, 25 de março de 2017





FANTASIAS


Dá-me por favor dois lírios bravos.
A cor não importa.
O perfume sim, esse me inebriará os sentidos.
Olha-me!
Verás em meus olhos o brilho das águas quando o sol tece seda á sua tona.
Abraça-me sem perguntar.
Abraça-me, tece em beijos delicados um colar que toque ao de leve meus seios castos.
Vê para ti, coloquei o corpete mais ousado.
Terás desejo, eu sei.
Sê gentil, desata um a um os lacinhos de cetim, que para ti atei.
Sorri e diz que sou a estátua de jade semi nua.
Acaricia, beija, para ti me perfumei.
Mas fá-lo de alma,
Semeia, beijos entre a pele sedosa de meus seios.
Embriaga-te de mim.
Mas sê brando e meigo no teu amar.
Porque para tua ser tens de me dar tempo de me saber dar!
Eu!



Augusta Mar.



Fonte:https://www.facebook.com/augustamaria.goncalves

Foto:https://www.pinterest.pt/cinafraga/

By Adolphe Bouguereau

sexta-feira, 24 de março de 2017




Transmutar

Toda a palavra,
num súbito, gume afiado,
assim,
numa subtil lâmina, de silabas....
...e simplesmente,
adentrar-lhe, em todo o sentido...
...como que, a ascender,
dum trémulo anseio,
e ser Anjo, possuído pelas asas,
ou somente ave, cativa pelo peito...

Teresa Da Silva


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quinta-feira, 23 de março de 2017





A SERENATA
 
Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobro
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
— só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa? 

Adélia Prado


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quarta-feira, 22 de março de 2017



O beijo à noite:


Poemas eróticos da Arábia antiga

Com as mãos segurei a tua cabeça
como quem segura uma ânfora, e servi-me
do néctar do amor.
Quem ousaria pensar que tão pequena ânfora
guardasse tanto licor?
Já a aurora despontava no céu
quando as nossas bocas se separaram.


Anónimo
(Arábia antiga)

Séc. XII?




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/




TE DESEJO

Olho perdidamente.
O olhar vagueia descendo os degraus da tarde.
Tenho na boca a sede de água pura.
A saliva doce lembrando fome de beijos.
As mãos geladas despidas de caricias.
No peito o coração canta canções de saudade e mágoa.
Te sonho.
Vens caminhando sob a chuva do encontro.
Teus cabelos presos sob o chapéu de plumas.
Se mantêm enxutos, anelados.
Ansiosa escuto já teus passos.
Assumo a janela, onde a candeia acesa.
Faz altar.
Pois.
Sei que orei.
Tenho a certeza que virás.
Tenho frio desejo dessas mãos.
Sede de te beber o olhar.
A fome de te amar.
Vem, tenho já só a túnica vestida.
Vem, vem-me desnudar.
É frente á lareira que te quero amar.
Vem, entra, deixa na eira a lua feiticeira.


Augusta Mar


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terça-feira, 21 de março de 2017




TESTEMUNHA.

Caderno meu caderno.
Unidas tens as folhas por uma espiral.
Tens capa de flores pintadas.
Que riem assombradas.
Oh! Quanto tu sabes.
Quanto á tua guarda eu confio.
Há horas de frios glaciares
Derretendo em sal de lágrimas
Há risos felizes como prados em flor.
Há mistérios meio desvendados.
E poemas de amor inacabados.
Te olho folha alva.
Te fito enamorada.
Desculpa caderno.
Enamorada não de ti!
Mas da essência doce da palavra.
Por fim num traço leve.
Escrevo vento, jardins em flor!
Perfume de goivos, embriaguez de estrelas ao luar.
Ah! Véu de transparências, veste subtil da noite nua.
Ah!...
Dunas, divãs de estrelas.
Onde se reclinam os amantes.
Caderno, afável amigo, que escutas meus poemas.
Oh! Secreto amante, que resistes a todos os meus temas
Me acolhes, me dás alegria.
De eu ser,
A pétala ornada de poesia.



Augusta Mar.




Fonte: https://www.facebook.com/augustamaria.goncalves

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ohn William Waterhouse 1895

segunda-feira, 20 de março de 2017





A Noite Desce


Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!
Assim mãos de bondade me beijassem!
Assim me adormecessem! Caridosas
Em braçados de lírios, de mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!
A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe embriagada, louca!
E a noite vai descendo, sempre calma...
Meu doce Amor tu beijas a minh'alma
Beijando nesta hora a minha boca!



Florbela Espanca, 
in "Livro de Sóror Saudade"


Fonte: http://www.citador.pt/poemas/
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AS ROSAS

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes
Todo o fulgor das tardes luminosas

O vento bailador das Primaveras
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas

Quando à noite desfolho e trinco as rosas

És tu a Primavera que eu esperava,
A vida multiplicada e brilhante,
Em que é pleno e perfeito cada instante

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
És tu a Primavera que eu esperava.



Sophia de Melo Breyner Andresen


1919-2004



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domingo, 19 de março de 2017





Pai, a Minha Sombra és Tu
a cadeira está vazia, um corpo ausente
não aquece a madeira que lhe dá forma

e não ouço o recado que me quiseste dar
nem a tua voz forte que grita meninos
na hora de acordar
ouço o teu abraço, no corredor em gaia
e os olhos molhados pela inusitada despedida

o sol foge
mas o crepúsculo desenha a sombra que
tenho colada aos pés
ou o espelho, coberto com a tua face

pai, digo-te
a minha sombra és tu


Jorge Reis-Sá, 
in "A Palavra no Cimo das Águas"




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