O poeta, escritor e presidente da Sociedade Portuguesa de
Autores, José Jorge Letria, escreveu um poema sobre o confinamento a que a
pandemia do Covid-19 obriga.
Esta ausência não foi por nós pedida,
Este silêncio não é da nossa lavra,
Já nem Pessoa conversa com Pessoa,
Com o feitiço sempre imenso da palavra
Este tempo só é o nosso tempo
Porque é nossa a dor que nos sufoca
E faz de cada dia a ferida entreaberta
Do assombro que esquivando-se nos toca
Esta ausência é dos netos, dos filhos, dos avós,
É a casa alquebrada pelo medo,
É a febre a arder na nossa voz
Por saber que o mal a magoa em segredo
Este silêncio é um sussurro tão antigo
Que mata como a peste já matava;
Vem de longe sem nada ter de amigo
Com a mesma angústia que nos castigava
Esta ausência é uma pátria revoltada
Que se fecha em casa sempre à espera
Que a febre não a vença nem lhe roube
A luz mansa que lhe traz a Primavera
Esta casa somos nós de sentinela,
À espera que a rua de novo nos console
E que festeje debruçada à janela
A alegria que só nasce com o sol
Esta ausência mais tarde há-de ter fim,
Por nada lhe faltar nem inocência;
Que se escute o desejo de saúde
Anunciando que vai pôr fim à inclemência
Que se abram as portas e as janelas,
Que o medo, derrotado, parta sem destino
Por ser esse o sonho colorido
Que ilumina o riso de um menino.
José Jorge Letria
(20 de Março de 2020)
Fonte: https://expresso.pt/coronavirus/2020-03-21-Jose-Jorge-Letria-escreve-poema-sobre-o-covid-19-A-Vida-Triunfa-em-Casa