sábado, 9 de setembro de 2017




CANÇÃO DO OUTONO

Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.

Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...

Paul Verlaine


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sexta-feira, 8 de setembro de 2017




"A Canção da Guerrilheira"

Prendi meus cabelos com um lenço vermelho;
Alcei ao ombro o meu fuzil
E me pus a caminho, naquela tarde de sol
Em que disseram que êles viriam nos fazer escravos.

Minhas mãos que, antes, teciam, na fábrica, o linho mais puro,
E que tinham carícias de arminho se afagavam a face do homem amado
Quando voltava do campo,
Não tremeram de mêdo ao amarrarem na minha cabeça loira o meu
[lenço vermelho.
Estavam nervosas apenas de ansiedade.

Eu não fiquei em casa como um traste inútil,
Enquanto, ao sol, êle semeava o trigo
Para que o pão não faltasse aos inválidos, às viúvas e aos órfãos dos
[proletários.

Não! Eu não quis ficar á espera do guerrilheiro,
Como uma escrava inferior, enquanto êle se bate
Para que, no mundo, não haja escravo nem senhor.

Por isso é que eu aprendi meus cabelos loiros com um lenço vermelho,
Alcei ao ombro o meu fazil
E me pus a caminho, naquela tarde.

Que diria de mim a geração que virá
Que não conhecerá escravos nem senhores,
Se eu ficasse à espera dêle, de mãos cruzadas, como uma escrava,
Enquanto o sangue redimia a terra?

Camillo de Jesus Lima.

8 de Setembro de 1912 nasce Camillo de Jesus Lima, poeta brasileiro (m. (1975)




quinta-feira, 7 de setembro de 2017




Lúbrica

Quando a vejo, de tarde, na alameda,
Arrastando com ar de antiga fada,
Pela rama da murta despontada,
A saia transparente de alva seda,
E medito no gozo que promete
A sua boca fresca, pequenina,
E o seio mergulhado em renda fina,
Sob a curva ligeira do corpete;
Pela mente me passa em nuvem densa
Um tropel infinito de desejos:
Quero, às vezes, sorvê-la, em grandes beijos,
Da luxúria febril na chama intensa...
Desejo, num transporte de gigante,
Estreitá-la de rijo entre meus braços,
Até quase esmagar nesses abraços
A sua carne branca e palpitante;
Como, da Ásia nos bosques tropicais
Apertam, em espiral auriluzente,
Os músculos hercúleos da serpente,
Aos troncos das palmeiras colossais.
Mas, depois, quando o peso do cansaço
A sepulta na morna letargia,
Dormitando, repousa, todo o dia,
À sombra da palmeira, o corpo lasso.

Assim, quisera eu, exausto, quando,
No delírio da gula todo absorto,
Me prostasse, embriagado, semimorto,
O vapor do prazer em sono brando;
Entrever, sobre fundo esvaecido,
Dos fantasmas da febre o incerto mar,
Mas sempre sob o azul do seu olhar,
Aspirando o frescor do seu vestido,
Como os ébrios chineses, delirantes,
Respiram, a dormir, o fumo quieto,
Que o seu longo cachimbo predileto
No ambiente espalhava pouco antes...
Se me lembra, porém, que essa doçura,
Efeito da inocência em que anda envolta,
Me foge, como um sonho, ou nuvem solta,
Ao ferir-lhe um só beijo a face pura;
Que há de dissipar-se no momento
Em que eu tentar correr para abraçá-la,
Miragem inconstante, que resvala
No horizonte do louco pensamento;
Quero admirá-la, então, tranqüilamente,
Em feliz apatia, de olhos fitos,
Como admiro o matiz dos passaritos,
Temendo que o ruído os afugente;
Para assim conservar-lhe a graça imensa,
E ver outros mordidos por desejos
De sorver sua carne, em grandes beijos,

Da luxúria febril na chama intensa...
Mas não posso contar: nada há que exceda
A nuvem de desejos que me esmaga,
Quando a vejo, da tarde à sombra vaga,
Passeando sozinha na alameda...

Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'

7 de Setembro de 1867 nasce Camilo Pessanha, poeta português (m. 1926).



quarta-feira, 6 de setembro de 2017




Fui onde me trouxe o duro fado
A passar o melhor da minha idade,
Não tenho mais que a bruta sociedade
De algum tosco vilão que tange o gado.

Tudo o mais é deserto inabitado,
Despenhos, precipícios, soledade,
Que só pode oferecer comodidade
Para algum infeliz desesperado.

Aqui sobre uma penha esmorecido
Fico um dia talvez, e em tal segredo,
Que até nem de mim mesmo sou sentido.

E, então, estupefactos mudo, e quedo
Assi’estou de males aturdido;
Qual junto de um penedo, outro penedo.

Abade de Jazente


in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI; Selecção, organização, introdução e notas Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto Editora





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terça-feira, 5 de setembro de 2017




Quero-te

Quero-te num lugar onde
te confundas com a claridade
pois é dessa luz que eu preciso
para iluminar meus olhos
cansados de escuridão.

Quero-te num lugar onde
te possa beijar num sufoco
como se os meus lábios quisessem
falar-te de uma só vez
toda a verdade e essa verdade
não fosse mais que um grande amor.

Quero-te num lugar onde
os nossos corações possam habitar
sem qualquer constrangimento
as veredas de um destino traçado
com a força do nosso querer comum.

Quero-te num lugar onde
seja fácil estar ao pé de ti:
precisar um afago e ter as tuas mãos
necessitar calor e ter o teu corpo
ansiar um beijo e ter a tua boca.

António Pires Vicente 
nasceu em Bragança a 5 de Setembro de 1963




segunda-feira, 4 de setembro de 2017




A PONTE DE VAN GOGH

Rio de Janeiro , 2004
Itatiaia
O lugar não importa: pode ser o Japão, a Holanda, a campina inglesa.
Mas é absolutamente preciso que seja domingo.

O azul do céu ecoa na esmeralda do rio
E o rio reflete docemente as margens de relva verde-laranja
Dir-se-ia que da mansão da esquerda voou o lençol virginal de miss
Para ser no céu sem mancha a única nuvem.
A calma é velha, de uma velhice sem pátina
As cores são simples, ingênuas
A estação é feliz: o guarda da ponte chegou a pintar
De listas vermelhas o teto de sua casinhola.
E, meu Deus, se não fossem esses diabinhos de pinheiros a fazer caretas
E a pressa com que o homem da charrete vai:
- A pressa de quem atravessou um vago perigo
Tudo estivesse perfeito, e não me viesse esse medo tolo de a pequena ponte levadiça
Desabe e se molhe o vestido preto de Cristina Georgina Rosseti
Que vai de umbrela especialmente para ouvir a prédica do novo pastor da vila.


 Vinicius de Moraes



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