sexta-feira, 6 de janeiro de 2017




Rosas Vermelhas


Que estranha fantasia!
Comprei rosas encarnadas
às molhadas
dum vermelho estridente,
tão rubras como a febre que eu trazia...
- E vim deitá-las contente
na minha cama vazia!

Toda a noite me piquei
nos seus agudos espinhos!
E toda a noite as beijei
em desalinhos...

A janela toda aberta
meu quarto encheu de luar...
- Na roupa branca de linho,
as rosas,
são corações a sangrar...

Morrem as rosas desfolhadas...
Matei-as!
Apertadas
às mãos-cheias!

Alvorada!
Alvorada!
Veio despertar-me!
Vem acordar-me!

Eu vou morrer...
E não consigo desprender
dos meus desejos,
as rosas encarnadas,
que morrem esfarrapadas,
na fúria dos meus beijos!

Judith Teixeira,
 in 'Decadência'

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Rihanna - Diamonds




Elogio da Distância

Na fonte dos teus olhos
vivem os fios dos pescadores do lago da loucura.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre a sua promessa.

Aqui, coração
que andou entre os homens, arranco
do corpo as vestes e o brilho de uma jura:

Mais negro no negro, estou mais nu.
Só quando sou falso sou fiel.
Sou tu quando sou eu.

Na fonte dos teus olhos
ando à deriva sonhando o rapto.

Um fio apanhou um fio:
separamo-nos enlaçados.

Na fonte dos teus olhos
um enforcado estrangula o baraço.


Paul Celan,
 in "Papoila e Memória" 

https://pt.pinterest.com

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017






Mais Beijos

Devagar...
outro beijo... ou ainda...
O teu olhar, misterioso e lento,
veio desgrenhar
a cálida tempestade
que me desvaira o pensamento!

Mais beijos!...
Deixa que eu, endoidecida,
incendeie a tua boca
e domine a tua vida!

Sim, amor..
deixa que se alongue mais
este momento breve!...
— que o meu desejo subindo
solte a rubra asa
e nos leve!


Judith Teixeira,
 in 'Antologia Poética'


Foto: https://pt.pinterest.com

terça-feira, 3 de janeiro de 2017



Canção dos rapazes da ilha


Eu sei que fico.
Mas o meu sonho irá
pelo vento, pelas nuvens, pelas asas.

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá ...

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos frutos, nos colares
E nas fotografias da terra,
Comprados por turistas estrangeiros
Felizes e sorridentes.
Eu sei que fico mas o meu sonho irá ...

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Metido na garrafa bem rolhada
Que um dia hei de atirar ao mar.
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá ...
sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos veleiros que desenho na parede.


Aguinaldp Fonseca 
(1922-2014), Cabo Verde, poesia


Foto de: Katia Chausheva



POEMA DE LONGE

Acendo um cigarro
e ponho-me a olhar
as casas que se elevam pela encosta…

Longe,
o Sol morre numa lagoa de sangue…

Entristeço-me.

Meus sonhos tornaram-se em nada,
minhas ambições nunca passaram de planos,
meus enlevos de amor nunca passaram de ânsias.


Antonio Nunes


Foto de: Ruedi Beckmann



Bailados do Luar

Pétalas de rosas
tombam lentamente, silenciosas...
E de vagar
vem entrando
a farândola rítmica
e silente
dos góticos bailados do luar!...

Sobre as dobras macias
e assediantes
da seda do meu leito desmanchado,
esguias sombras
adelgaçando afagos,
poisam no meu peito desvestido...
E a boca hipnótica e algente
do meu luarento amante,
vai esculpindo o meu corpo
pálido e vencido!...

No espaço azul e vago,
esvoaça subtiltmente
a cálida lembrança
da tua voz!

Busco a verdade viva do teu beijo
e encontro apenas
esta estranha heresia,
crispando o alvo recorte
do meu corpo magoado!...

Estilhaçam-se, vibrando
numa ânsia doentia,
os meus nervos nostálgicos,
irreverentes
empalidecendo
em dolências inocentes
o rubor do meu desejo
insaciado...

As rosas vão tombando lentamente,
devagar,
sobre a carícia dormente
e embruxada…
dos espásmicos beijos do luar...
Oiço a tua voz
em toda a parte!

E perco-me dentro dos meus próprios braços,
tumultuosos e exigentes,

a procurar-te!

Judith Teixeira

 in 'Antologia Poética'




Foto:Agata Dudek

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017






Para ser grande, sê inteiro:
Nada teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no minimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive

Ricardo Reis, in “Odes”

Heterónimo de Fernando Pessoa


Foto: https://pt.pinterest.com

Autor: Ricardo Tavares


O Perfume


O que sou eu? – O Perfume,
Dizem os homens. – Serei.
Mas o que sou nem eu sei...
Sou uma sombra de lume!

Rasgo a aragem como um gume
De espada: Subi. Voei.
Onde passava, deixei
A essência que me resume.

Liberdade, eu me cativo:
Numa renda, um nada, eu vivo
Vida de Sonho e Verdade!

Passam os dias, e em vão!
– Eu sou a Recordação;
Sou mais, ainda: a Saudade.



António Correia de Oliveira 
in 'Antologia Poética'



Foto: Ricardo Tavares