sábado, 25 de janeiro de 2020






Um dia chega
de extrema doçura:
tudo arde
Arde a luz
nos vidros da ternura.
As aves
no branco
labirinto da cal.
As palavras ardem,
e a púrpura das naves.
O vento,
onde tenho casa
à beira do outono.
O limoeiro, as colinas.
Tudo arde
na extrema e lenta
doçura da tarde.


Eugénio de Andrade, 

in "Obscuro Domínio"



Marion Cotillard Photography

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020






A lavadeira no tanque



A lavadeira no tanque
Bate roupa em pedra bem.
Canta porque canta e é triste
Porque canta porque existe;
Por isso é alegre também.
Ora se eu alguma vez
Pudesse fazer nos versos
O que a essa roupa ela fez,
Eu perderia talvez
Os meus destinos diversos.
Há uma grande unidade
Em, sem pensar nem razão,
E até cantando a metade,
Bater roupa em realidade...
Quem me lava o coração?

15-9-1933

Fernando Pessoa.



By Anton kiasov

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020






É tempo deste coração permanecer insensível
porque já não pode comover o dos outros:
mas, se por ninguém eu posso ser amado,
ainda quero amar!

Os meus dias estão nas folhas já caídas;
as flores e os frutos do amor abandonaram-me;
a ninguém o verme, o cancro e o desgosto
poderão pertencer!

Como uma ilha vulcânica, sozinho
o fogo vem consumir-se no meu peito;
não há nenhum lume que aí se reacenda
- uma chama funerária!


A esperança, o temor e o ciúme,
tudo o que é excessivo no sofrimento,
e o poder do amor, não posso compartilhar,
só lhes sofro as cadeias.

Mas é assim - não é neste lugar -
que deviam estes pensamentos abalar-me, nem agora
quando a enfrenta o túmulo do herói
ou lhe coroa a fronte.

A espada a insígnia e o campo de batalha,
a glória e a Grécia, contemplo à minha volta!
O guerreiro espartano, levado sobre o escudo,
não era mais livre.

Desperta (que a Grécia, ela está acordada!)
Desperta meu espírito! Pensa naquele
que faz correr o teu sangue vital para o lago materno
onde fica o destino.

Subjuga os desejos que despertam ainda,
virilidade indigna! para ti
deveriam ser indiferentes o sorriso ou o duro
olhar da Beleza.

Para que vives, se lamentas a tua juventude?
Aqui fica o lugar de uma morte honrosa.
Caminha para a luta, e deixa que se apague
o teu último alento!

Procura - sem o procurar, tê-lo-ias encontrado -
o túmulo de um soldado, aquilo que mereces;
olha por fim à volta e prefere esta terra,
aceita o teu descanso.



Lord Byron
Reino Unido (Londres) 1788- Grécia1824
in “ Poesia Romântica Inglesa


Este poema data de 22 de janeiro de 1824, foi escrito
na Grécia, em Missolonghi, onde Byron viria a falecer
três meses depois.





Fonte do poema : cantodaalma.blogspot.com