segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020






Noturno



O desenho redondo do teu seio
Tornava-te mais cálida, mais nua
Quando eu pensava nele...Imaginei-o,
À beira-mar, de noite, havendo lua...

Talvez a espuma, vindo, conseguisse
Ornar-te o busto de uma renda leve
E a lua, ao ver-te nua, descobrisse,
Em ti, a branca irmã que nunca teve...

Pelo que no teu colo há de suspenso,
Te supunham as ondas uma delas...
Todo o teu corpo, iluminado, tenso,
Era um convite lúcido às estrelas....

Imaginei-te assim à beira-mar,
Só porque o nosso quarto era tão estreito...
- E, sonolento, deixo-me afogar
No desenho redondo do teu peito...




David Mourão-Ferreira, escritor e poeta português (1927- 1996)

domingo, 23 de fevereiro de 2020







Se jovem fosse toda a gente e o amor,
E a verdade na boca de cada pastor,
Cada um destes prazeres me levaria
A ir ser teu Amor em tua companhia.

Mas ao redil o Tempo recolhe o rebanho,
Quando o rio brame e esfria o rochedo,
É quando Filomela fica como os mudos
E o resto se lamenta de cuidados futuros.

Murcham as flores, e o viço campestre
Ao indócil Inverno logo se submete:
Uma língua de mel, coração sem amor,
Primavera de desejo, Outono de dor.

Os teus vestidos, sapatos, canteiros de rosas,
Tua boina, saia, flores preciosas,
Breve quebram e murcham – esquecidas são,
A loucura é completa, perde-se a razão.

Teu cinto de palhinhas e rebentos de hera,
Tuas fivelas de coral e botões de âmbar –
Entre todos eles nenhum me levaria
A ser teu Amor em tua companhia

Se se fosse jovem e o amor gerasse sempre,
Alegrias sem data, velhice não carente,
Por estes prazeres, minha alma decidia
Ir ser o teu Amor em tua companhia.

Walter Raleigh


England 1552-1618
in Os dias do amor
Editor: Ministério dos Livros





Fonte: http://cantodaalma-cantodaalma.blogspot.com