sábado, 28 de outubro de 2017




Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da Montanha onde mora a tarde.

Ó cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.

Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.

Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.

Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob asas,
A alma cheia de ladainhas.

Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago da alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem...

Quando chegaste, os violoncelos
Que andam no ar cantaram no hinos.
Estrelaram-se todos os castelos,
E até nas nuvens repicaram sinos.

Foram-se as brancas horas sem rumo,
Tanto sonhadas! Ainda, ainda
Hoje os meus pobres versos perfumo
Com os beijos santos da tua vinda.

Quando te foste, estalaram cordas
Nos violoncelos e nas harpas...
E anjos disseram: - Não mais acordas,
Lírio nascido nas escarpas!

Sinos dobraram no céu e escuto
Dobres eternos na minha ermida.
E os pobres versos ainda hoje enluto
Com os beijos santos da despedida.


Alphonsus de Guimaraens




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

sexta-feira, 27 de outubro de 2017




Bondade

A Bondade baila em meu lar.
Dona Bondade, quanta beleza!
As pedras azul-escarlates de seus anéis
Espargem-se nas janelas, os espelhos
Transbordam de alegria.
O que é mais puro que o choro de um filho?
O choro de um coelho pode ter mais ardor
Mas ele não tem alma.
O açúcar cura tudo, diz a Bondade.
Açúcar um fluido necessário,
Seus cristais um pequeno cataplasma.
Ó Bondade, bondade
Colando os cacos com doçura!
Minhas sedas japonesas, desesperadas borboletas,
Alfinetadas a qualquer minuto, anestesiadas.
E lá vem você, com uma xícara de chá
Envolta em fumaça.
O fluxo sanguíneo é poesia,
Impossível estancá-lo.
Você me confia dois filhos, duas flores.

Sylvia Plath

 (Tradução de Maryluci Prado)



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quinta-feira, 26 de outubro de 2017





Recado

Ouve-me
Que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer – vai por esse campo
de crateras extintas – vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo – deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração – ouve-me
que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna – o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite
não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira – não esqueças o ouro
o marfim – os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço


Al Berto



Al Berto, O Medo, Lisboa: Assírio & Alvim, 1998



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/


quarta-feira, 25 de outubro de 2017




Ao  Pé  Do Ouvido

Beija-me se queres beijar-me
eu comparto teus desejos
não na boca pra calar-me:
nos olhos quero teus beijos!

Não me fales dos feitiços
no colo: são beijos belos,
mas ciumentos estão meus riços.
Acaricia-me os cabelos!

Para teu mimo oportuno
se teus olhos são palavras,
Me darão, uno mais uno,
os pensamentos que lavras.

Tua mão entre as minhas
tremerão como um canário
e ouviremos as modinhas
de algum amor milenário.

Esta noite é noite morta
sob o teto sideral.
Está tão calada a horta
como num sono letal.

Tem um matiz de alabastro
e um mistério de Pandora.
Olha a luz daquele astro!
Tenho-a na alma, agora.

Silêncio... silêncio... Cala!
até a água corre mansa
sobre o leito cor de opala:
chega à areia, e lá descansa.

Oh, que perfume tão fino!
Na boca estão os desejos!
Nesta noite de platino
Nos olhos quero teus beijos...


Alfonsina Storni



Tradução de Cristiane Carvalho e Manolo Graña
Fonte: artefatocultural.com.br

Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

terça-feira, 24 de outubro de 2017




Nuvens 

Sobre a lâmina azul de um céu todo bonança
passa uma nuvem clara em curvas franjas de onda,
vaga que adormeceu num mar que não estronda,
nas mudas convulsões de uma tormenta mansa...

Bruma, sonho da terra, ergueu-se; e enquanto avança,
busca a forma fugaz, que se esboça e esbarronda;
aqui se esgarça, ali descai, além, redonda,
bóia ao sol que a redoira e ao vento que a embalança.

Sonhos, bruma secreta, entre anseios e dores,
sobem-nos da alma assim, livres, espaço em fora,
na lenta indecisão dos informes vapores...

Possam os meus pairar na luz por um momento,
ser a nuvem que arrasta o olhar perdido — embora
suceda a cada esboço um desmoronamento!


 Amadeu Amaral

Publicado no livro Espumas: versos (1917).

In: Poesias completas. São Paulo: HUCITEC: Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado, 1977. p.147. (Obras de Amadeu Amaral)


Fonte: https://www.escritas.org

Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

Painting by Serge Marshennikov

segunda-feira, 23 de outubro de 2017




"He Wishes For The Cloths of Heaven"

Tivesse eu
as roupas bordadas do paraíso
tecidas com luz
dourada e prateada...

Tivesse eu
o azul e o escuro
e os negros panos da noite
e a luz e as metades luzes...

Eu espalharia essas roupas
sob os teus pés.
Mas, sendo pobre,
tenho apenas os meus sonhos.

Eu tenho espalhado
os meus sonhos
sob teus pés!
Por isso, pisa suavemente,
afinal estás andando
sobre os meus sonhos.

William Buttler Yeats




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

domingo, 22 de outubro de 2017




As Rosas  De Ispaã


As rosas de Ispaã na bainha musgosa,
Os jasmins de Mossul (2), a flor da laranjeira
Ah, fragrância não têm suave e tão ditosa,
Ó branca Leila, como a tua aura ligeira!
Lábios corais, soando a risada ligeira
Bem melhor que a água viva, e com voz mais ditosa,
Bem melhor que o ar feliz que embala a laranjeira,
Que a ave que canta ao lar na bainha musgosa...
Mas desde que fugiu, com sua asa ligeira,
O beijo dessa boca encarnada e ditosa,
Perfume já não há na tênue laranjeira,
E nem celeste odor nas bainhas musgosas...
Que o teu jovem amor, borboleta ligeira,
Volte ao meu coração, com sua asa ditosa,
E que perfume ainda a flor da laranjeira,
As rosas de Ispaã na bainha musgosa!

Charles Leconte De Lisle (1818-1894)


Trad. de Renata Cordeiro


https://www.pinterest.pt/cinafraga/