sexta-feira, 29 de junho de 2018





Junto ao mar

Junto ao mar, nesta baía suave de azul cobalto,
deixo-me envolver nos confins do pensamento,
 o recorte do céu, a expressão mais nua do chão
 e contemplo a narrativa das areias desta praia,
 a voz antiga que desfez a pedra dos montes
 no tumulto das grandes impiedosas chuvas.
 O meu arrebatamento é a história que leio
 nos veios engendrados pelo refluxo da maré,
 as algas deixadas junto ao limite das águas
 a própria índole maiúscula dos grãos de areia
 que jazem ao sabor da vastidão dos abismos
 traçados nos penhasco descidos da montanha.
 Ela ensina-me a sedução pela espuma rigorosa
 das vagas vindas de longe, trazidas no vento,
 as correntes telúricas das montanhas do mar
 e mostra-me o decurso inteiro e obstinado
 que vejo nas conchas despojadas de moluscos,
 nas algas que sucumbiram à força do tempo.
 Aqui me atenho e entendo este abraço fraternal
 das águas ajuntado os restos terminais da terra
 antes do grande dilúvio da paz do sol poente
 e ergo a minha voz e canto os espaços libertos
 na voz multifacetada das águas do grande mar,
 o azul pálido da vastidão pluricolor dos céus.


Vieira Calado





Foto: Katherine Alana LaPrell

terça-feira, 26 de junho de 2018




Em Todos os Jardins

Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.


Sophia de Mello Breyner Andresen




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/