sábado, 6 de maio de 2017




Canção da tarde no campo
Caminho do campo verde
estrada depois de estrada.
Cerca de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.

Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!

Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a tarde é minha.

Os meus passos no caminho
são como os passos da lua;
vou chegando, vai fugindo,
minha alma é a sombra da tua.

Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.

De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto,
meu peito é puro deserto.
Subo monte, desço monte.

Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.



Cecília Meireles


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

sexta-feira, 5 de maio de 2017




Para meu coração basta o teu peito
para tua liberdade bastam minhas asas.
Desde minha boca chegará até o céu
o que estava dormindo sobre tua alma.

E em ti a ilusão de cada dia.
Chegas como o sereno às corolas.
Escavas o horizonte com tua ausência
Eternamente em fuga como a onda.

Eu disse que cantavas no vento
como os pinheiros e como os hastes.
Como eles és alta e taciturna.
e entristeces prontamente, como uma viagem.

Acolhedora como um velho caminho.
Te povoa ecos e vozes nostálgicas.
eu despertei e as vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam em tua alma.



Pablo Neruda



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quinta-feira, 4 de maio de 2017






DAS MINHAS MÃOS, QUE SÃO TÃO FIRMES

Das minhas mãos, que são tão firmes,
cai-me o espelho, que era tão claro,
e à meia-noite se divide,
com meus olhos cheios de teatro.

Nas grandes sedas do vestido,
ficam meditando meus braços.
E de longe correm antigos
pássaros cheios de presságios.

Há um cristal de sonho e de lua
cobrindo com serenidade
as adormecidas criaturas.

Uma mulher no alto da noite
pensa que é solidão, que é tarde,
e que o cristal levou seu rosto.


Cecília Meireles


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quarta-feira, 3 de maio de 2017




A languidez do amor
cruzei-me com quem me dava
a languidez do amor.
a saudação lhe dei pela palavra.
porque a afeição se acabasse
não sentia o seu calor
e altaneio me evitava,
mas deixou-me que o beijasse:
foi como daquela vez
que avistando a claridade,
só querendo lume Moisés
falou com a divindade.

o jardim brinca com a brisa
que dir-se-ia ser sua emissária
no chamamento à festa da alvorada.

está ébrio, preso de seus ternos ramos,
e quando os doces pássaros o cantam
ele vai repetindo essa canção.

não faltam flores, estratégicos espias
com seus olhos vigiando namorados.
e se destacam na folhagem verde,
como luz, brilhando sobre as trevas.


Abu-L-Qâsim Ibn Al-Milh
(Luso-Árabe Séc. XII
in Adalberto Alves

"O meu coração é Árabe"


Painting by Serge Marshennikov

segunda-feira, 1 de maio de 2017





PROFETAS FALSOS

Profetas falsos vieram em teu nome
Anjos errados disseram que tu eras
Um poema frustrado
Na angústia sem razão das primaveras
Porém eu sei que tu és a verdade
E és o caminho transparente e puro
Embora eu não te encontre e no obscuro
Mundo das sombras morra de saudade.


Sophia de Mello Breyner


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

domingo, 30 de abril de 2017




Só deixarei de ter amar quando
O véu da morte cobrir minha face,
Mesmo assim nascerá em minha sepultura
Uma rosa em cujas pétalas,
De sangue, estará escrito: Te amo!


Vinicius de Moraes


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/