quarta-feira, 5 de setembro de 2018





Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava…
Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão…
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.
Era no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy….
Era, na jarra, de repente, um lirio!
Era a certeza de ficar sem ti.
Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança…


David Mourão-Ferreira, in Infinito Pessoal


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terça-feira, 4 de setembro de 2018




Amor


O teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.

As tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.

Entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.

Hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.


José Luís Peixoto, in "A Casa, A Escuridão"



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

segunda-feira, 3 de setembro de 2018





Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida – como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama

e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.

Maria do Rosário Pedreira



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domingo, 2 de setembro de 2018





Tal...
Cisne branco,
Rasando a luz das águas.
No riso da lua.
Assim sejam!
Teus olhos
Plenos de felicidade...
No dia fecundo de sol
Que em puro oiro beija a terra.
Tal como pérolas verdes...
Que fazem morada num búzio
Nacarado!
Assim são teus olhos verdes!
Livres rindo...
Oh! Sonho lindo,
Como olhar, os colibris a flor beijando!

Augusta Maria Gonçalves




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