sábado, 13 de maio de 2017





Para beijá-la avancei
e o desejo não se vergou ao medo.
ela disse: vais desonrar-te cedo!
respondi: é pecado sei!
mas algo supera essa mágoa:
é morrer de sede dentro d'água.

a mágoa doentia é que me deita
estas linhas que agora vos escrevo.
enquanto isso o lume da nostalgia
faz derramar minhas lágrimas.
ó meus amigos!
se ao impulso da minh'alma obedecesse,
rasgaria o meu peito à minha amada.


Abu-l-Fadl  Ibn Al-Allam
(Luso-Árabe Séc. XII)
in Adalberto Alves

"O meu coração é Árabe"


Fonte:http://cantodaalma-cantodaalma.blogspot.pt/
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

sexta-feira, 12 de maio de 2017




Sim,
a importância de segurar teus cabelos,
de sentir o silencio de teus seios,
de ver teus olhos, intactos, trazendo a mensagem do começo da vida.

E é um decorrer de palavras simples,
de cenas comuns e amplas, na varanda que é como
um pedaço do fundo do mar.

Apalpo tua pele,
sinto todos os momentos de criação dentro de teu corpo
oh! os poemas que eu lanço, em germem, no solo de teu silêncio
e que voltam para mim - brotando - crescendo - lançando
frutos vermelhos na tarde quieta.

António Olinto

(Brasil  1919-2009)


Fonte:http://cantodaalma-cantodaalma.blogspot.pt/
Painting by Serge Marshennikov

quinta-feira, 11 de maio de 2017




Conheço esse sentimento
que é como a cerejeira
quando está carregada de frutos:
excessivo peso para os ramos da alma.
Conheço esse sentimento
que é o da orla da praia
lambida pela espuma da maré:
quando o mar se retira
as conchas são pequenas saudades
que doem no coração da areia.
Conheço esse sentimento
que é o dos cabelos do salgueiro
revoltos pelas mãos ágeis da tempestade:
na hora quieta do amanhecer
pendem-lhe tristemente os braços
vazios do amado corpo do vento.
Conheço esse sentimento
que passa nos teus olhos e nos meus
quando de mãos dadas
ouvimos o Requiem de Mozart
ou visitamos a nave de Alcobaça.
Pedro e Inês
a praia e a maré
o salgueiro e o vento
a verdade e o sonho
o amor e a morte
o pó das cerejeiras
tu.
e eu.»


Rosa Lobato Faria, 
em 'Dispersos'


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/



quarta-feira, 10 de maio de 2017




Amanheceu a minha vida no teu rosto
De uma doçura intensa e tão suave
Como se um divino fundo nele brilhasse
Eu era o que nascia soberanamente leve
E encontrava na limpideza centro do equilíbrio
Só em ti cheguei amanhecendo na minha madurez
Entrei no templo em que a luz latente era a secreta sombra
Foste sonhada por meus olhos e minha mãos
Por minha pele e por meu sangue
Se o dia tem este fulgor inteiro é porque existes
E é porque existes que se levanta o mundo
Em quotidianos prodígios
Em que ao fundo brilha o horizonte certo.



António Ramos Rosa, 
in O TEU ROSTO (Ed. Pedra Formosa, 1944)


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

terça-feira, 9 de maio de 2017




Bela flor, longos cabelos,

moça com olhos de sombra,
flor de neve sempre branda,
dentes frios, rubra boca.

Cansado de tanto andar,
Chega o teu amado agora.
Que o coração se te alegre!
Quem te deu dor vai-se embora.

A água clara que corre,
tal como se vê agora,
assim é que há-de bailar
roda a gente à tua volta


América do Sul, Quíchuas
Séc. XVI-XVII
Trad. Herberto Helder
In Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro

Editor: Assirio & Alvim



Fonte: http://cantodaalma-cantodaalma.blogspot.pt/

segunda-feira, 8 de maio de 2017




Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.

Adalgisa Nery


(Brasil 1905 – 1980)


Foto: By Michael Garmash

domingo, 7 de maio de 2017




Mãezinha


Andam em mim fantasmas, sombras, ais...
Coisas que eu sinto em mim, que eu sinto agora;
Névoas de dantes, dum longínquo outrora;
Castelos d'oiro em mundos irreais...

Gotas d'água tombando... Roseirais
A desfolhar-se em mim como quem chora...
— E um ano vale um dia ou uma hora,
Se tu me vais fugindo mais e mais!...

Ó meu Amor, meu seio é como um berço
Ondula brandamente... Brandamente...
Num ritmo escultural d'onda ou de verso!

No mundo quem te vê?! Ele é enorme!...
Amor, sou tua mãe! Vá... docemente
Poisa a cabeça... fecha os olhos... dorme...


Florbela Espanca, 
in 'Antologia Poética'





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