sábado, 11 de março de 2017




O LIVRO GASTO DAS HORAS

Lhe chamavam Jade.
Talvez por seus olhos serem belos,
Talvez…
Porque deixava résteas de luz quando passava.
Era jovem esbelta, airosa como uma orquidea brava.
Tinha olhos claros, pele sedosa.
Na boca de flor encarnada.
A sobriedade de uma rosa.
Ria sim.
Mas…
Havia nela traços leves de alguma mágoa.
Olhava longe, como quem olha e vê um cais.
Juraria eu, que vi aflorar nas janelas de seu olhar.
Particulas de estrelas a espreitar.
Olhavam-na tantos.
Como que lê doce poema.
Saía ao entardecer.
Colhia resteas de sol.
Particulas de poeira,
Melodias de vento,
Sussuros de vozes,
A sinfonia das aves, rente ao céu.
Tudo, como se fora escrito num pergaminho de saudade.
Sentada ALI! No cais do tempo entardecia.
Olhando sua imagem.
Cabelos dados às mãos do vento.
Matava saudades de outro tempo.
Em que caminhava de mão dada,
Com aquela que não a beijou no último suspiro.
Sem encontro marcado.
Flor colhida pelo cansaço.
Sono de lage fria.
Tudo!
Foi numa fria madrugada.


Augusta Maria.




Foto:https://pt.pinterest.com
https://www.facebook.com/augustamaria.goncalves

sexta-feira, 10 de março de 2017




Eram rotas.
Mapas rasgados no asfalto.
Pedaços de natureza, setas adornadas.
Caminhos, passos, folhas, harmonia dança.

Um leve vestido de ternura.
Pétalas de magnólia a alindar.
Uma vida traçada a lápis leve.
Crayon mágico.
Pronto a desenhar.

Desenhou com alma de artista.
A bailarina leve como ave.
Rodopia sonha na leveza da pirueta.
A menina que sonha ser artista.

Tão longe o sonho leva nosso ser.
Visões momentaneas, coloridas habitam nosso eu.
Eis que na beleza de uma imagem.
A encantadora bailarina.
Se ergue,
Tal fénix encantada renasceu.

A. Mar.

10/3/2017



https://www.facebook.com/augustamaria.goncalves
Foto: https://pt.pinterest.com/cinafraga/


Inocência


Vou aqui como um anjo, e carregado
De crimes!
Com asas de poeta voa-se no céu...
De tudo me redimes,
Penitência
De ser artista!
Nada sei,
Nada valho,
Nada faço,
E abre-se em mim a força deste abraço
Que abarca o mundo!

Tudo amo, admiro e compreendo.
Sou como um sol fecundo
Que adoça e doira, tendo
Calor apenas.
Puro,
Divino
E humano como os outros meus irmãos,
Caminho nesta ingénua confiança
De criança
Que faz milagres a bater as mãos.


Miguel Torga, in 'Penas do Purgatório'



Fonte: citador:pt

Foto: pesquisa google

quinta-feira, 9 de março de 2017




Depois da pausa,
na sua elegância filiforme,
as figuras musicais tendem a juntar-se
no olhar cansado do músico.
No entanto, pouco importa a pauta
se já estiver escrita na alma
com dedos e sentimento.
Pianinho,
os sons tendem a navegar em crescendo.
Quando levanto as pálpebras,
há como chocolate opíparo
aquecendo-me por dentro...
no sorriso do teu olhar esterlino
onde dançam os anjos
e os arcanjos cantando o hino.
Apoteótica,
a sensação opiácea é veemente
as dores tardias já não importam
nem as notas fantasmas mentem
ao som da melodia eufórica
do amor - em escala ascendente
em cada nota abraçada
nesta sintonia empolgante.


Pj.Conde-Paulino



https://www.facebook.com/pjpaulino

Foto: https://pt.pinterest.com/cinafraga/

quarta-feira, 8 de março de 2017




A Mulher Mais Bonita do Mundo


estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.


José Luís Peixoto, 
in "A Casa, a Escuridão"


Fonte: http://www.citador.pt/
Imagem: https://pt.pinterest.com/cinafraga/


Especial dia da MULHER


Dá a Surpresa de Ser


Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem
(Se ela tivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem Ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como ?



Fernando Pessoa, 
in "Cancioneiro"


Fonte: http://www.citador.pt/

Imagem: https://pt.pinterest.com/cinafraga/


terça-feira, 7 de março de 2017




A FLOR

Penso que cultivo tensões
como flores
num bosque onde
ninguém vai.

Cada ferida — perfeita —,
fecha-se numa minúscula
imperceptível pétala,
causando dor.

Dor é uma flor
como aquela,
como esta,
como aquela,
como esta.


Robert Cruley

domingo, 5 de março de 2017



XXI


Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma coisa para trincar
Seria mais feliz um momento…

Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva…

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja…


7-3-1914

“O Guardador de Rebanhos”. Poemas de Alberto Caeiro 
(Heterônimo de Fernando Pessoa)


Foto:https://pt.pinterest.com/cinafraga/