domingo, 5 de março de 2017



XXI


Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma coisa para trincar
Seria mais feliz um momento…

Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva…

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja…


7-3-1914

“O Guardador de Rebanhos”. Poemas de Alberto Caeiro 
(Heterônimo de Fernando Pessoa)


Foto:https://pt.pinterest.com/cinafraga/

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.