quinta-feira, 20 de abril de 2017




MULHER DE PRETO


Ela vinha de preto mas trazia
a noite pendurada no vestido.
Porém não era luto mas alegria
ou a cor do pecado anoitecido
ou talvez fosse a lua que nascia
na parte do seu rosto mais escondido.
Ela vinha de preto e resplandecia
porque era a própria noite que a vestia.



Manuel Alegre






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Rosa Lobato de Faria 85 anos



Beijo a Beijo

E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.

Rosa Lobato Faria, 
in 'Dispersos'


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quarta-feira, 19 de abril de 2017




FRUSTRAÇÃO

Foi bonito
O meu sonho de amor.
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.

Diário XV


Miguel Torga - A Criação do Mundo


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terça-feira, 18 de abril de 2017




Escrevi-te versos perfumados
nos pingos da água fresca
das chuvas da madrugada!
No tempo e no infinito
do feitiço das palavras
cantei amor em céu aberto
numa melodia com o teu nome!
Gastei palavras ao vento
rimas alheias à saudade
para deter o tempo
e não despertar do sonho
onde moravas!
O mesmo sonho
onde desenhei teu rosto
e os contornos da tua boca
para marcar no teu sorriso
os meus beijos
vestidos de paixão e loucura.
Na face fria do tempo
deixo o teu silêncio falar,
e perto da alma
sopro um grito
para te sentir perto de mim,
pois amar-te, foi o meu pecado!
Agora adormeço o meu sonho
e vivo com o teu fantasma
(na minha cama)
pois das chuvas da madrugada
fica apenas a minha sede
de te beber… em AMOR.
[ © António Carlos Santos ]
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Poema: " chuvas da madrugada "
de: © António Carlos Santos
António Carlos Santos




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VIDA


Amparada num seio de mulher.
Mãe, sangue, amor, ternura, semente, terra.
Olhava essa mulher com esperança o céu estrelado.
Contava luas novas.
Seriam as nove luas o abrir da natureza de um humano ser.
Rasgou a pele, o fundo do ventre contraiu.
Explida fui como semente, que rasga seu casulo, talvez rompa um véu.
A mulher esqueceu a dor do esventrar sangrado o corpo em dor.
Encantada olhava a flor.
Me olhou, seu coração bateu.
Jurou ali perante a minha fragilidade amor.
Foi todo meu seu seio e regaço.
Foi todo meu seu enlevo,
Até me deu o seu cansaço.
Quando eu chorosa rasgava seu sono sereno.
Fitava com seu olhar azul céu
As gotas límpidas de mar que era meu olhar.
Num embalar de inocente ternura.
Adormecia ao peito sua flor.
Mas porque veloz o tempo foge?
Mas porque os cavalos brancos rasgam as nuvens do sonho.
A vida tem altas marés.
Sonhos irrealizáveis.
Mas memórias franjadas em recortes de asas de anjos ou aves.
Resta apenas, reconhecer a grandeza de vida dar.
Ter tantas saudades.
Mas hestoicamente viver e amar.
Vamos! Toca a caminhar.

Augusta Mar.


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Disse-te um dia
... que havia de dar-te uma estrela
tão real como os sonhos
do rio Guadalquivir
e o perfume adolescente
do teu corpo
a ondular na aurora de Sevilha
Não foste comigo a Barcelona
ver as pesadas corolas e os mosaicos
de La Pedrera
mas espera-me no aeroporto
de nunca antes
o rumor febril dos teu olhos
onde aprendi
que o tempo não existe
Mas a vida pode ser
também mágoa escura
bem sabes Por isso te prendo
as mãos sobre as ancas
para não fugirmos mais um do outro
e bebo todo o sol e afinal o tempo
nos teus lábios.



Urbano Tavares Rodrigues, 
em "Horas de Vidro"


Foto: pesquisa google

segunda-feira, 17 de abril de 2017




MODERNOS PAPIROS

No pasmo da noite só estrelas.
Brincam acordadas.
A dama lua se passeia arrastando um véu de luar e fantasia.
Lua cheia! Divina, prateada.
No leito das águas se reclina.
Esta distinta dama.
O rio em voz de água corredia,
Poesia declama.
A noite melodia…
Num despertar de névoas.
Os olhos buscam as trilhas para a felicidade.
Há cantares de flores a acordar.
Bocejos de lírios e tulipas, orvalhadas.
No ar perfume de asas a planar.
O peito arde,
Num sofrer de impotência perante os tempos.
Perto do abismo, valas comuns, sem clamor nem nomes.
A única palavra é insanidade.
Mais uma página se escreve no livro desorganizado do tempo.
Em folhas manchadas de dor.
Permaneça em nós um templo sem vitrais.
Iluminados apenas por cirios.
Caiam, pingos de cera, rolem lágrimas.
Cirios acesos em memória dos que emudeceram.
Haja luz a velar os que desapareceram.
Cirios a iluminar o adormecer das tardes.
Como os que se acendem aos deuses nas catedrais


Augusta Mar.

12/4/2017


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