quinta-feira, 9 de março de 2017




Depois da pausa,
na sua elegância filiforme,
as figuras musicais tendem a juntar-se
no olhar cansado do músico.
No entanto, pouco importa a pauta
se já estiver escrita na alma
com dedos e sentimento.
Pianinho,
os sons tendem a navegar em crescendo.
Quando levanto as pálpebras,
há como chocolate opíparo
aquecendo-me por dentro...
no sorriso do teu olhar esterlino
onde dançam os anjos
e os arcanjos cantando o hino.
Apoteótica,
a sensação opiácea é veemente
as dores tardias já não importam
nem as notas fantasmas mentem
ao som da melodia eufórica
do amor - em escala ascendente
em cada nota abraçada
nesta sintonia empolgante.


Pj.Conde-Paulino



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quarta-feira, 8 de março de 2017




A Mulher Mais Bonita do Mundo


estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.


José Luís Peixoto, 
in "A Casa, a Escuridão"


Fonte: http://www.citador.pt/
Imagem: https://pt.pinterest.com/cinafraga/


Especial dia da MULHER


Dá a Surpresa de Ser


Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem
(Se ela tivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem Ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como ?



Fernando Pessoa, 
in "Cancioneiro"


Fonte: http://www.citador.pt/

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terça-feira, 7 de março de 2017




A FLOR

Penso que cultivo tensões
como flores
num bosque onde
ninguém vai.

Cada ferida — perfeita —,
fecha-se numa minúscula
imperceptível pétala,
causando dor.

Dor é uma flor
como aquela,
como esta,
como aquela,
como esta.


Robert Cruley

domingo, 5 de março de 2017



XXI


Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma coisa para trincar
Seria mais feliz um momento…

Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva…

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja…


7-3-1914

“O Guardador de Rebanhos”. Poemas de Alberto Caeiro 
(Heterônimo de Fernando Pessoa)


Foto:https://pt.pinterest.com/cinafraga/

sábado, 4 de março de 2017



Paz


Traz-me um pedaço de céu
um rumor de asas, uma flor amarela.
Peço-te que em todo o lado procures
olhos azuis ou castanhos, peles de todas as cores
rezas, canções, danças secretas.
Extermina no pó todos os horrores
e apodrece os malefícios da louca humanidade.
Ri-te e ama no branco dos lençóis, no azul das águas
num abraço fraterno a respirar doçura.
Traça um armistício da lua até à terra
numa onda de paz que nos transborde e submerja
Que o único gume a existir
seja o das bocas que se beijam.



Margarida Piloto Garcia


Foto:Julia Borodina

sexta-feira, 3 de março de 2017




E de novo a armadilha dos abraços


E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.

O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.

As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.

De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.

Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.

E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos.


Rosa Lobato de Faria





Foto:Pesquisa google