quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

 

 

 


 

(...)

 

Que perfume é este

que tua pele exala

e sobre mim se derrama

num súbito tremor de claridade?

 

Ah, pudesse eu tocar tua alma

onde se reflecte puro o firmamento

e a beleza do mundo se espelha deslumbrada

numa contínua festa de estio e primavera!

 

E pela verdura dos anos beijar teus lábios,

beber a sombra de tantos frutos iluminados!

 

Leve, tão leve nada mais seria

que ar e brisa e pólen a cintilar ao vento,

a vida mais estéril fecundaria!

 

Gonçalo Salvado

in "Nudez"

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

 

 

 

 



 

 

Alguém baixou com suavidade as minhas pálpebras, levando-me, desprevenida, a consentir num sono ligeiro, eu que não sabia que o amor requeria vigília.

 

Raduan Nassar, escritor brasileiro. (1935)

 

 

sábado, 19 de novembro de 2022

 

 

 


 

Fim

 

 

O que eu perdi não foi um sonho bom,

Não foi o fruto a embebedar meus lábios,

Não foi uma canção de raro som,

Nem a graça de alguns momentos sábios.

O que eu perdi, como quem perde uma outra infância,

Foi o sentido do enternecimento,

Foi a felicidade da ignorância, foi, em verdade,

Na minha carne e no meu pensamento,

A última rubra flor do fim da mocidade.

E dói - não esse gesto ausente, a que se apagam

As flores mais solares, mas uma hora,

Flor de momento numa breve aurora -

Hora longínqua, esquiva e para sempre morta,

Em cuja escura, inacessível porta

Noturnos olhos cegamente vagam.

 

 

Abgar Renault