sábado, 23 de novembro de 2019





Distâcias


Olho no olho, no frio, 
Deixa-nos também começar assim: 
Juntos

Deixa-nos respirar o véu 
Que nos esconde um do outro, 
Quando a noite se dispõe a medir 
O que ainda falta chegar 
De cada forma que ela toma 
Para cada forma 
Que ela a nós dois emprestou. 



Paul Celan, poeta ucraniano-francês (1920-1970).

( tradução: Claudia Cavalcanti ) 



Foto: Pesquisa Google

sexta-feira, 22 de novembro de 2019






22 de Novembro - Dia do Músico


A música deve trazer Paz no coração dos homens; E lágrimas aos olhos de uma mulher!



Ludwig van Beethoven




https://youtu.be/9ZZ3-YU2o6g

quinta-feira, 21 de novembro de 2019






Olho pela janela e não vejo o mar.
As gaivotas andam por aí e a roupa vai secando no varal.
Manhã cedo, o mar ainda não veio.
Veio o pão, veio o lume e o jornal.
A saliva com que te hei-de dizer bom dia.
As palavras são as primeiras a chegar.
O que fica delas amacia o papel.
Pão quente com o sono de ontem e os sonhos de hoje.
Prepara-se o dia, os passos de ir e vir.
Estou cada vez mais perto.
Olhas-me como se soubesses o que hei-de saber mais logo.
Nesta cidade nunca é meio-dia.
Há sempre uma doçura de outras horas.




Rosa Alice Branco



Foto: Pesquisa Google

sexta-feira, 8 de novembro de 2019






A Nuvem



Sulcas o ar de um rastro perfumoso
Que os nervos me alvoroça e tantaliza,
Quando o teu corpo musical desliza
Ao hino do teu passo harmonioso.

A pressão do teu lábio saboroso
Verte-me na alma um vinho que eletriza,
Que os músculos me embebe, e os nectariza,
E afrouxa-os, num delíquio langoroso.

E quando junto a mim passas, criança,
Revolta a crespa, luxuosa trança,
Na espádua arfando em túrbidos negrumes,

Naufraga-me a razão em sombra densa,
Como se houvera sobre mim suspensa
Uma nuvem de cálidos perfumes!




Teófilo Dias, político e poeta brasileiro (1854-1889).




Foto: pesquisa net

sexta-feira, 25 de outubro de 2019





A Viagem Definitiva




Ir-me-ei embora. E ficarão os pássaros
Cantando.
E ficará o meu jardim com sua árvore verde
E o seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul e plácido,
E tocarão, como esta tarde estão tocando,
Os sinos do companário.

Morrerão os que me amaram
E a aldeia se renovará todos os anos.
E longe do bulício distinto, surdo, raro
Do domingo acabado,
Da diligência das cinco, das sestas do banho,
No recanto secreto do meu jardim florido e caiado
Meu espírito de hoje errará nostálgico...
E ir-me-ei embora, e serei outro, sem lar, sem árvore

Verde, sem poço branco,
Sem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.



Juan Ramón Jiménez



25 de Outubro de 1956 - O poeta espanhol Juan Ramón Jiménez recebe o Prêmio Nobel de Literatura.




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

segunda-feira, 21 de outubro de 2019



Dia da Maça (Apple Day)









Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
que antiga noite o homem toca com seus sentidos?

Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos e dois corpos
por um só mel derrotados.

Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia

corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra de um raio.



Pablo Neruda





Amanda.com Photography

quinta-feira, 17 de outubro de 2019





No Silêncio da Terra



No silêncio da terra.Onde ser é estar.
A sombra se inclina.
Habito dentro da grande pedra de água e sol.
Respiro sem o saber,respiro a terra.
Um intervalo de suavidade ardente e longa.
Sem adormecer no sono verde.
Afundo-me,sereno,
flor ou folha sobre folha abrindo-se,
respirando-me,flectindo-me
no intervalo aberto.Não sei se principio.
Um rosto se desfaz,um sabor ao fundo
da água ou da terra,
o fogo único consumindo em ar.
Eis o lugar em que o centro se abre
ou a lisa permanência clara,
abandono igual ao puro ombro
em que nada se diz
e no silêncio se une a boca ao espaço.
Pedra harmoniosa
do abrigo simples,
lúcido,unido,silencioso umbigo
do ar.
o teu corpo
renasce
à flor da terra.
Tudo principia.


António Ramos Rosa, poeta português (1924- 2013).


in A Pedra Nua(1972)






Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/