quinta-feira, 30 de agosto de 2018




Lembro-me de ti
Nesse instante absoluto,
A vida conduzida por um fio de música.
Intenso e delicado, ele vai-nos fechando num casulo
Onde tudo será permitido.

Se é só isso que podemos ter,
Que seja forte. Que seja único.
Tão íntimo quanto ouvirmos a mesma melodia,
Tendo o mesmo - esplêndido - pensamento.



Lya Luft




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terça-feira, 28 de agosto de 2018




Perfeição


Tanto esforço perdido em ser perfeito!
Em ser superno, tanto esforço vão!
Sonho efêmero; acordo e, junto ao leito,
a mesma inércia, a mesma escuridão.

Vejo, através das sombras, um defeito
em cada cousa, e as cousas todas são,
para os meus olhos rútilos de eleito,
prodígios de impureza e imperfeição!

Fico-me, noite a dentro, insone e mudo,
pensando em ti, que dormes, esquecida
do teu amargurado sonhador...

Ali, Mas, se ao menos, imperfeito é tudo 
salve-se, as mil imperfeições da vida,
a humilde perfeição do meu amor!


Hermes Fontes, compositor e poeta brasileiro (1888- 1930).




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segunda-feira, 27 de agosto de 2018





O Templo


É tão larga a porta do templo!
Ladeada por colunas altivas ancestrais.
O silencio canta nos vitrais...
Acende cirios de sol e vento...
Tantas promessas!
Juramento sagrado de vida em vendavais.
Acordam as velhas heras adormecidas
Que o tempo deixou entrelaçar com tal graciosidade...
Olho-as dançando distraídas...
Sinto-me bailar com a saudade.
Irrompe o vento...
Abre o seio das árvores, o coração do templo!
Há altares!
Que oram em silencio...
Só no das flores já desfeitas o perfume pranteia.
Cada pétala é uma dor!
Flor desfolhada, cicatriz, curada já!
Mas dói ao recordar tempos de Dor!
O Altar do amor!
OH! Vitrais aceso em botões de rosa,
De tão viva cor...
Corações acesos na doce carencia dos sentidos.
Jarras de furmusura, salpicadas de risos...
Avencas delicadas da verde esperança da ternura.
Há uma dança colorida nos vitrais acesos de sol e paz!
O Altar dos Sonhos...
Nesse bailam nos braços do vento,
Espigas loiras, Onde esvoaçam, borboletas.
Dois colibris azuis,
Pintam a tela dos próprios sonhos.
Tão mágicas e fragéis suas asas...
OH! Altar dos mudos silencios!
OH! Cravos túnicos de um desespero, amarelo e mudo.
Têm os cravos amarelos um laço na boca,
Os olhos lacrados com duas violetas tristes...
São assim os assim os silencios...
Perfumados como raminhos de violetas.
AH!!!...
O altar da saudade...
Todo ele, alvura de açucenas.
Raminhos de larajeira em flor!
Que choram pétalas de perfume já cansadas.
De tantas colisões contra ventos desavindos.
Tanta formosura há na saudade...
Nem todos a vêm... nem todos persentem!
Só! Aqueles... Que na alma guardam todo o carinho que sonharam...
Percorrendo a vida num vitral aceso...
De partilha e paz!!!

Augusta Maria Gonçalves
 2015.



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Organ in the Dresden Frauenkirche, rebuilt in 2005 by Daniel Kern behind a reconstruction of the original facade of the 1736 organ of Gottfried Silbermann church in Dresden, eastern Germany.

domingo, 26 de agosto de 2018





Como é belo seu rosto matutino
Sua plácida sombra quando anda

Lembra florestas e lembra o mar
O mar o sol a pique sobre o mar

Não tive amigo assim na minha infância
Não é isso que busco quando o vejo
Alheio como a brisa
Não busco nada
Sei apenas que passa quando passa
Seu rosto matutino
Um som de queda de água
Uma promessa inumana
Uma ilha uma ilha
Que só vento habita
E os pássaros azuis

Alberto de Lacerda, Poeta português (1928-2007).
in 'Exílio'


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sábado, 25 de agosto de 2018





O que eu adoro em ti não são teus olhos,
teus lindos olhos cheios de mistério,
por cujo brilho os homens deixariam
da terra inteira o mais soberbo império.

O que eu adoro em ti não são teus lábios,
onde perpétua  juventude mora,
e encerram mais perfumes do que os vales
por entre as pompas festivais da aurora.

O que eu adoro em ti não é teu rosto
perante o qual o marmor descorara,
e ao contemplar a esplêndida harmonia
Fídias, o mestre, seu cinzel quebrara.

O que eu adoro em ti não é teu colo,
mais belo que o da esposa israelita,
torre de graças, encantado asilo,
aonde o gênio das paixões habita.

O que eu adoro em ti não são teus seios,
alvas pombinhas que dormindo gemem,
e do indiscreto vôo duma abelha
cheias de medo em seu abrigo tremem.

O que eu adoro em ti, ouve, é tu'alma,
pura como o sorrir de uma criança,
alheia ao mundo, alheia aos preconceitos,
rica de crenças, rica de esperança.

São as palavras de bondade infinda
que sabes murmurar aos que padecem,
os carinhos ingênuos de teus olhos
onde celestes gozos transparecem!...

Um não sei quê de grande, imaculado,
que faz-me estremecer quando tu falas,
e eleva-me o pensar além dos mundos
quando, abaixando as pálpebras, te calas.

E por isso em meus sonhos sempre vi-te
entre nuvens de incenso em aras santas,
e das turbas solícitas no meio
também contrito hei-te beijado as plantas.

E como és linda assim! Chamas divinas
cercam-te as faces plácidas e belas,
um longo manto pende-te dos ombros
salpicado de nítidas estrelas!

Na doida pira de um amor terrestre
pensei sagrar-te o coração demente...
Mas ao mirar-te deslumbrou-me o raio...
tinhas nos olhos o perdão somente!


Fagundes Varela  (1841-1875)



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quinta-feira, 26 de julho de 2018




Fuga em azul menor

O meu rosto de terra
ficará aqui mesmo
no mar ou no horizonte.
Ficará defronte
à casa onde morei.
Mas o meu rosto azul,
O meu rosto de viagem,
esse, irá pra onde irei.

Todo o mundo físico
que gorjeia lá fora
não me procure agora.
Embarquei numa nuvem
por um vão de janela
dos meus cinco sentidos.
E que adianta a alegria
dizer que estou presente
com o meu rosto de terra
se não estou em casa?

Cassiano Ricardo (1895- 1974).




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domingo, 22 de julho de 2018




" Filho "


TENS EM TI A LUZ DAS MANHÃS.

Sopros de vento.
Arvoredo açoitado
Nem poalha, nem pétala, nem grão de areia.
Chão de minh'alma
Eira de espigas loiras.
Nesgas de tempo.
Espigueiro antigo, arca, tesouro escondido.
Filho meu.
 Meu coração repartido.
Desejo amor, que tenha eu lugar nesse teu peito.
Pois nesta hora, te entrego ao Divino pai numa oração.
Tem meu filho a certeza que Tu sempre foste amor perfeito.
Mesmo nos dias de sombra.
És a flor vestida de abandono.
Nas horas que te leio os olhos distantes
Os lábios calados
E em todas as outras horas,que tu velaste.
A debilidade que me vestia o sono.
Foste o esteio amoroso da minha fragilidade.
Grata por tua benignidade. 


Eu!
Augusta Mar. 18.7.2018.




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