Alguém baixou com suavidade as minhas pálpebras, levando-me, desprevenida, a consentir num sono ligeiro, eu que não sabia que o amor requeria vigília.
Raduan Nassar, escritor brasileiro. (1935)
Fim
O que eu perdi não foi um sonho bom,
Não foi o fruto a embebedar meus lábios,
Não foi uma canção de raro som,
Nem a graça de alguns momentos sábios.
O que eu perdi, como quem perde uma outra infância,
Foi o sentido do enternecimento,
Foi a felicidade da ignorância, foi, em verdade,
Na minha carne e no meu pensamento,
A última rubra flor do fim da mocidade.
E dói - não esse gesto ausente, a que se apagam
As flores mais solares, mas uma hora,
Flor de momento numa breve aurora -
Hora longínqua, esquiva e para sempre morta,
Em cuja escura, inacessível porta
Noturnos olhos cegamente vagam.
Abgar Renault
Onde
Onde os olhos se fecham; onde o tempo
Faz ressoar o búzio do silêncio;
Onde o claro desmaio se dissolve
No aroma dos nardos e do sexo;
Onde os membros são laços, e as bocas
Não respiram, arquejam violentas;
Onde os dedos retraçam novas órbitas
Pelo espaço dos corpos e dos astros;
Onde a breve agonia; onde na pele
Se confunde o suor; onde o amor.
José Saramago,
em “Provavelmente alegria”. Lisboa: Editorial Caminho, 1985.
Jose Saramago (poeta, escritor, jornalista e dramaturgo), nasceu em 16 de Novembro de 1922, em Azinhaga/Portugal – faleceu em 18 de Junho de 2010, em Lanzarote, Ilhas Canárias/Espanha. Nobel de Literatura 1998.