Amanhã meu amor,
Amanhã faço poemas com os teus dedos donde nascem flores,
amanhã escrevo-te cartas com os lábios a tremer de frio,
amanhã adormeço desperta no canto mais canto que houver da
tua voz,
Amanhã meu amor,
Verei todas as folhas amarelas que nascem do chão e
regressam aos ramos dos teus braços,
amanhã vou dançar no silêncio proibido que te cala,
amanhã fecho os olhos e finjo que estou acordada
para que me toques as pálpebras com a respiração ofegante de
quem cega,
Amanhã meu amor,
Abro as janelas do peito onde nascem estrelas sem céu,
abro a cama e procuro-te debaixo dela,
dou-te a mão para que me encontres no mapa da pele dorida,
para que me encontres talvez no mesmo sítio de sempre onde
nunca foste,
Amanhã meu amor,
Dedico-te o vento que roça as estátuas já esverdeadas da tua
cidade,
faço-te promessas de palavras que não existem,
desafio-te para um duelo de um só combatente,
deixo-te sozinho comigo encostada aos teus ombros de lava,
Amanhã meu amor,
Vou cantar canções na rádio da frequência 0.00,
vou atirar-te areia com os pés no meio de lugar nenhum,
devolvo-te as minhas ideias que nunca ouviste porque não sei
dizê-las com boca nem mão,
Amanhã meu amor,
Vou gostar de ti como se fosses uma manga doce,
vou ter medo das paredes intactas do teu ser,
vou gritar às raízes das árvores por não as ser,
vou girar à volta do mundo sem sequer o saber,
Amanhã meu amor,
Vou desenhar a lápis de cera como as crianças,
dar-te um desenho de que me vou esquecer,
amadurecer à tua espera, à espera de me ver em ti,
Amanhã meu amor,
Vou fazer malabarismo com o tempo,
desprender-te da liberdade, da minha liberdade,
aconchegar-te à noite sem saberes,
Só porque amanhã meu amor,
Amanhã,
Vou continuar a gostar de Ti.
Raquel Lacerda
1987 (Inédito)
Extraído do livro, Os Dias do Amor
Pag 410