sexta-feira, 20 de dezembro de 2019





Último Poema


É Natal, nunca estive tão só.
Nem sequer neva como nos versos
Do Pessoa ou nos bosques
Da Nova Inglaterra.
Deixo os olhos correr
Entre o fulgor dos cravos
E os dióspiros ardendo na sombra.
Quem assim tem o verão
Dentro de casa
Não devia queixar-se de estar só,
Não devia.



Eugénio de Andrade, in 'Rente ao Dizer'





Mary and Baby Jesus by Ray Downing See

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019






Chove. É Dia de Natal



Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.



Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'





Fonte:  http://www.citador.pt/


quarta-feira, 18 de dezembro de 2019





Hoje contaremos estrelas
enquanto nos lembramos
do sabor do amor. Enquanto
os olhos as refletem e as mãos
as criam. Enquanto as bocas
lhes devoram a luz.
Hoje contaremos estrelas
tu e eu no escuro da noite
ou na seda azul.



Margarida Piloto Garcia



Foto: https://www.pinterest.pt

terça-feira, 17 de dezembro de 2019





A primavera às flores de pêssego espalha-se
Em todo pátio à lua cintilam os salgueiros
Cá em cima estou, no quarto, perfeita a maquiagem
recém-vestida, à espera da noite, o silêncio
Ao lago sob as flores de lótus os peixes
Em volta do arco-íris revoam pardais
Tudo nesta vida é sonho, alegria ou pena
vêm-nos aos pares. Possa eu por fim acordar


Li Bai


(Poesia Chinesa)



Xie Chuyu Artist

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019





Canção 



Dá-me as pétalas de rosa
Dessa boca pequenina:
Vem com teu riso, formosa!
Vem com teu beijo, divina!

Transforma num paraíso
O inferno do meu desejo...
Formosa, vem com teu riso!
Divina, vem com teu beijo!

Oh! tu, que tornas radiosa
Minh’alma, que a dor domina,
Só com teu riso, formosa,
Só com teu beijo, divina!

Tenho frio, e não diviso
Luz na treva em que me vejo:
Dá-me o clarão do teu riso!
Dá-me fogo do teu beijo!



Olavo Bilac, poeta brasileiro (1865- 1918).



https://www.pinterest.pt




domingo, 15 de dezembro de 2019






Respiro o teu corpo:
Sabe a lua-de-água
Ao amanhecer,
Sabe a cal molhada,
Sabe a luz mordida,
Sabe a brisa nua,
Ao sangue dos rios,
Sabe a rosa louca,
Ao cair da noite
Sabe a pedra amarga,
Sabe à minha boca.


Eugénio De Andrade




Foto:  https://www.pinterest.pt