quinta-feira, 11 de abril de 2019






O lírio Branco

Nascido das lágrimas d' aurora e dos beijos do dia, 
ele se abre, nos relvados floridos do prado, 
d'entre as verdes fitas de sua planta viçosa, 
alvo como a espuma dos mares, 
como o flóculo de nuvem virgem das carícias do sol, 
como o amículo da castidade.

Graça dos vales, ele é o turíbulo 
de perfumes balançado no templo da Natureza, 
à hora santa d'Ave-Maria.




Delminda Silveira



Yuri Yarosh Artist

quarta-feira, 10 de abril de 2019






Pensei que eras meu inimigo,
A minha grande infelicidade.
Mas inimigo não és – só um mentiroso
E são vãs as tuas manobras.

Diante do carrossel
Eu joguei cara ou coroa.
Queria, com essa moeda,
Saber se te amo ou não.

Meu lenço ficou caído
No chão, no jardim Aleksándrov.
Aqueci as mãos; mas todos souberam
O que eu pensava – e que também mentia.

As mentiras devem estar voando
À minha volta como corvos.
Mas da próxima vez que te despedires
Não verás, em meus olhos, nem azul nem negro.

Ah, continua vivendo, não fiques triste.
Por mim está tudo bem.
Mas como tudo isso é inútil,
Como é tudo absurdo!

Tu vais para um lado,
Eu vou para outro.


Bella Akhmadulina, poetista russa (1937-2010).



(Texto e poema extraídos do livro Poesia Soviética, com seleção, tradução e notas de Lauro Machado Coelho.)


Gentle Honeybee Photography

terça-feira, 9 de abril de 2019







Sed non satiata




Bizarra divindade, escura como as noites,
Em mesclado perfume de almíscar e havana,
Obra de algum obi, o Fausto da savana,
Ventre de ébano, bruxa em negras meias-noites,
Eu prefiro ao constance, ao ópio ou ao nuits,
O elixir dessa boca onde o amor se engalana;
Quando a ti meus desejos vão em caravana,
Teus olhos, a cisterna onde eu bebo aos açoites.
Por estes grandes olhos negros em fervor
Por ti, demo sem pena! A mim, menos calor;
Não sou o Estige a nove vezes te abraçar,
E aí! eu sem poder, Megera libertina,
Para quebrar teu brio e então te encurralar,
No inferno de teu leito a virar Proserpina!


Charles Baudelaire, poeta francês (1821- 1867).






domingo, 7 de abril de 2019






Agora, vejam...


Agora, vejam como a rapariga passa
Tão bem, tão satisfeita, alegre, toda risos,
Com o formoso olhar resplendente de graça,
E à boca, a tilintar, uma porção de guizos.

Nenhum medo, nenhum, a incomoda e embaraça.
E os dois seios lhe são delicados narcisos
De seiva virginal. Com modos de ricaça
Ei-la no campo em flor, sem passos indecisos.

É que vive com ela e ela sente, extremosa
A alma feita verão, dulcíssima e piedosa
Daquele a quem beijava os pés, e que hoje em dia

Anda a dizer-lhe ao ouvido as coisas mais bonitas,
Encontradas no azul das plagas infinitas,
Onde tudo floresce e canta de alegria.



Juvêncio de Araújo Figueiredo




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

sexta-feira, 29 de março de 2019






A Nuvem


Sulcas o ar de um rastro perfumoso
Que os nervos me alvoroça e tantaliza,
Quando o teu corpo musical desliza
Ao hino do teu passo harmonioso.

A pressão do teu lábio saboroso
Verte-me na alma um vinho que eletriza,
Que os músculos me embebe, e os nectariza,
E afrouxa-os, num delíquio langoroso.

E quando junto a mim passas, criança,
Revolta a crespa, luxuosa trança,
Na espádua arfando em túrbidos negrumes,

Naufraga-me a razão em sombra densa,
Como se houvera sobre mim suspensa
Uma nuvem de cálidos perfumes!



Teófilo Dias, político e poeta brasileiro (1854-1889).




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segunda-feira, 25 de março de 2019






O Grande Momento



Inicia-te, enfim, Alma imprevista,
Entra no seio dos Iniciados.
Esperam-te de luz maravilhados
Os Dons que vão te consagrar Artista.

Toda uma Esfera te deslumbra a vista,
Os ativos sentidos requintados.
Céus e mais céus e céus transfigurados
Abrem-te as portas da imortal Conquista.

Eis o grande Momento prodigioso
Para entrares sereno e majestoso
Num mundo estranho d’esplendor sidéreo.

Borboleta de sol, surge da lesma…
Oh! vai, entra na posse de ti mesma,
Quebra os selos augustos do Mistério!



João da Cruz e Souza (1861-1898)





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