Vida:
Sensualíssima mulher de carnes maravilhosas
Cujos passos são horas
Cadenciadas
Rítmicas
Fatais.
A cada movimento do teu corpo
Dispersam asas de desejos
Que me roçam a pele
E encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais».
Vou seguindo teus passos
Lutando e sofrendo
Cantando e chorando
E ficam abertos meus braços:
Nunca te alcanço!
Meu suplício de Tântalo.
Envelheço...
E tu, Vida, cada vez mais viçosa
Na oscilação nervosa
Das tuas ancas fecundas e sempre virgens!
À punhalada dilacero a folhagem
E abro clareiras
Na floresta milenária do meu caminho.
Humildemente se rasga e avilta
No roçar dos espinhos
Minha carne dorida.
E quando julgo chegada a hora
Meu abraço de posse fica escancarado no ar!
Olímpica
Firme
Gloriosa
Tu passas e não te alcanço, Vida.
Caio suado de borco
No lodo...
O vento da noite badala nos ramos
Sarcasmos canalhas.
Não avisto a vida!
Tenho medo, grito.
Creio em Deus e nos fantásticos ecos
Do meu grito
Que vêm de longe e de perto
Do sul e do norte
Que me envolvem
E esmagam:
Maldita selva, maldita selva,
Antes o deserto, a sede e a morte!
Manuel da Fonseca, in "Rosa dos Ventos"
Fonte: http://www.citador.pt/
Imagem: https://www.pinterest.pt/cinafraga/