domingo, 13 de agosto de 2017





O Desterrado 

Como são brancas as flores 
Deste verde jasminal! 
Recorda a sua fragrância 
Perfumes dum laranjal … 
Mas têm mais suave aroma as rosas de Portugal! 
O coração desses bosques 
O brilhante e o oiro encerra; 
São imensos estes rios, imensos o vale e a serra … 
Mas não têm a formosura 
Dos campos da minha terra! 
Estes astros são mais belos, é mais belo o seu fulgor … 
Mas luzem no céu do exílio; não lhes tenho igual amor… 
Ai, astros da minha terra, quem me dera o vosso alvor! 
Que me importam os esplendores, 
prodígios que vejo aqui, aves de vivas plumagens, 
os cantos do juruty, se lhes faltam as belezas da terra onde eu nasci? 
Lá, era a lua mais linda, mais para os olhos as flores, 
mais castos os beijos dados em mais sinceros amores; 
tinham seus bosques modestos mais inspirados cantores. 
Tudo aqui veste mais galas, de mais viçoso matiz! 
Ai que importa, se a saudade ao proscrito sempre 
diz que não há terra formosa sem o sol do seu país?

Francisco Gomes de Amorim, poeta português




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sábado, 12 de agosto de 2017




As luas

Sobre a população desta amarga cidade
Pairam, longínquas, as sombras de duas grandes lusas.

Elas velam o sono de Deus.
Uma está posta sobre os olhos de Deus,
E é por seu intermédio que os divinos olhos
Penetram os pensamentos e as dores
Do coração aflitíssimo dos homens.

A outra lua está colocada sobre o cérebro de Deus;
- E é a música, e é o sonho, e é o maravilhamento
De novas artes puras e perfeitas,
Que os homens jamais hão de conhecer.

Poesias, 1949
Múcio Leão, poeta e jornalista brasileiro



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Amor

A jovem deusa passa
Com véus discretos sobre a virgindade;
Olha e não olha, como a mocidade;
E um jovem deus pressente aquela graça.

Depois, a vide do desejo enlaça
Numa só volta a dupla divindade;
E os jovens deuses abrem-se à verdade,
Sedentos de beber na mesma taça.

É um vinho amargo que lhes cresta a boca;
Um condão vago que os desperta e toca
De humana e dolorosa consciência.

E abraçam-se de novo, já sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
A queimar o que resta da inocência.

Miguel Torga, in 'Libertação'



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sexta-feira, 11 de agosto de 2017





Todas as Horas

Todas as horas, todos os minutos,
São para mim a véspera da partida.

Preparo-me para a morte, como quem
Se prepara para a vida.

Em qualquer parte eu disse que a Beleza
Não nasce só mas sim acompanhada.

Não são palavras minhas as que eu digo.
À minha boca pertence aos que me amam.

Mudos e sós.
À nossa volta todos os amantes
Sentir-se-ão tranquilos.
Um coração puro
É como o Sol:
Brilha todos os dias.

Raúl de Carvalho, in 'Realidade Branca'



quarta-feira, 9 de agosto de 2017





Faz-se Luz

Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes    loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina    realmente    os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos    e na boca


Mário Cesariny, in "Pena Capital"



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terça-feira, 8 de agosto de 2017




Primeira Ausência 

Porque não vejo os olhos sedutores
Que me ferem a vista quando os vejo?
E os seios, onde dorme o meu desejo,
Num leito de perfumes e de ardores?...

Onde dos lábios rubros os licores,
Que embriagam no êxtase de um beijo?
E essa volúpia, disfarçada em pejo,
Das horas em que mostra — só primores!..

— Sou tua! — ela me disse: e nesse instante
Deu-se-me em corpo e alma, delirante,
Por me ver doudo por seguir-lhe os passos...

Deu-se-me assim... para roubar-me a calma:
Pois, tendo-a dia e noite na minh'alma,
Não posso tê-la sempre nos meus braços!

Múcio  Teixeira 



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segunda-feira, 7 de agosto de 2017




Paixão Secreta

Acordei com os primeiros pássaros,
já minha lâmpada morria.
Fui até à janela aberta e sentei-me,
com uma grinalda fresca
nos cabelos desatados...
Ele vinha pelo caminho
na névoa cor de rosa da manhã.
Trazia ao pescoço
uma cadeia de pérolas
e o sol batia-lhe na fronte.
Parou à minha porta
e disse-me ansioso:
— Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
— Sou eu, belo caminhante,
sou eu.

Anoitecia
e ainda não tinham acendido as luzes.
Eu atava o cabelo, desconsolada.
Ele chegava no seu carro
todo vermelho, aceso pelo sol poente.
Trazia o fato cheio de poeira.
Fervia a espuma
na boca anelante dos seus cavalos...
Desceu à minha porta
e disse-me com voz cansada:
— Onde está ela?
Tive vergonha de lhe dizer:
— Sou eu, fatigado caminhante,
sou eu.

Noite de Abril.
A lâmpada arde neste meu quarto
que a brisa do Sul
enche suavemente.
O papagaio palrador
dorme na sua gaiola.
O meu vestido é azul
como o pescoço dum pavão,
e o manto verde como a erva nova.
Sentada no chão, perto da janela,
olho a rua deserta ...
Passa a noite escura
e não me canso de cantar:
— Sou eu, caminhante sem esperança,
sou eu.

Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
Tradução de Manuel Simões

Fonte: http://www.citador.pt/
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/