segunda-feira, 17 de abril de 2017




MODERNOS PAPIROS

No pasmo da noite só estrelas.
Brincam acordadas.
A dama lua se passeia arrastando um véu de luar e fantasia.
Lua cheia! Divina, prateada.
No leito das águas se reclina.
Esta distinta dama.
O rio em voz de água corredia,
Poesia declama.
A noite melodia…
Num despertar de névoas.
Os olhos buscam as trilhas para a felicidade.
Há cantares de flores a acordar.
Bocejos de lírios e tulipas, orvalhadas.
No ar perfume de asas a planar.
O peito arde,
Num sofrer de impotência perante os tempos.
Perto do abismo, valas comuns, sem clamor nem nomes.
A única palavra é insanidade.
Mais uma página se escreve no livro desorganizado do tempo.
Em folhas manchadas de dor.
Permaneça em nós um templo sem vitrais.
Iluminados apenas por cirios.
Caiam, pingos de cera, rolem lágrimas.
Cirios acesos em memória dos que emudeceram.
Haja luz a velar os que desapareceram.
Cirios a iluminar o adormecer das tardes.
Como os que se acendem aos deuses nas catedrais


Augusta Mar.

12/4/2017


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/









O MEU AMOR EXISTE


O meu amor tem lábios de silêncio
e mãos de bailarina
e voa como o vento
e abraça-me onde a solidão termina

O meu amor tem trinta mil cavalos
a galopar no peito
e um sorriso só dela
que nasce quando a seu lado eu me deito


O meu amor ensinou-me a chegar
sedento de ternura
sarou as minhas feridas
e pôs-me a salvo para além da loucura

O meu amor ensinou-me a partir
nalguma noite triste
mas antes, ensinou-me
a não esquecer que o meu amor existe



JORGE PALMA


Retratos: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

domingo, 16 de abril de 2017







° ° ° °°

Respiro o vento, e vivo de perfumes
No murmúrio das folhas de mangueira;
Nas noites de luar aqui descanso
e a lua enche de amor a minha esteira.



Álvares de Azevedo



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/




Ainda não...

Detém-te e olha à tua volta, antes, adiante.
Atentamente, olha também dentro de ti.
Há algo raro e especial neste instante,
que já não pode esperar para ser visto.
Há um sinal oculto atrás de tudo isto,
e há que lê-lo antes de seguir em frente.

Há qualquer coisa a colher, talvez a flor
de um jardim distante, antigo e esquecido.
Há um recado a entregar e a receber,
e algo a sarar, algo a polir, alguma dor.
Há uma conta a acertar, um beijo a dar,
um ponto a ver.
E há que examinar as malas e rever
se nada urgente foi deixado para trás.
ou se nada é demais,
se há peso morto a abandonar agora...

Há que escorar, ainda, um galho que está torto
de uma roseira bem ali, perto da casa.
Há uma ave que quebrou a frágil asa
e não consegue mais voar ou se mover.
Há tanto ainda para ouvir e para ver...
Não estás pronta,
não é ainda,
não é agora.

Em algum canto, há alguém que ainda chora,
e sabes que também é teu, o árduo pranto.
E há amor a cultivar e a colher, tanto...
E há mil palavras à tua espera para ser ...
Não é agora.
Não deve ser.

Recolhe em ti todo teu ímpeto e cansaço,
guarda contigo teu assombro e traz teu encanto.
Quando te fores, antes do último passo,
tudo há de estar quitado e pacificado.
Não porque temas ou infernos ou pecados,
mas porque sabes que é este o teu dever.

Sabes que há em ti duas vozes, pelo menos,
e uma ainda deve à outra o grande acerto
antes do qual não há epílogos ou acenos
mas só o imperativo:
Deves Ser.
E, isto sim,

é para agora.





Fonte: Poesia filosófica da profª Lúcia Helena


http://luciahga.blogspot.pt/

sábado, 15 de abril de 2017





Amanhã meu amor,

amanhã faço poemas com os teus dedos donde nascem flores,
amanhã escrevo-te cartas com os lábios a tremer de frio,
amanhã adormeço desperta no canto mais canto que houver da tua voz,

amanhã meu amor,
verei todas as folhas amarelas que nascem do chão e regressam aos ramos dos teus braços,
amanhã vou dançar no silêncio proibido que te cala,
amanhã fecho os olhos e finjo que estou acordada
para que me toques as pálpebras com a respiração ofegante de quem cega,

amanhã meu amor,
abro as janelas do peito onde nascem estrelas sem céu,
abro a cama e procuro-te debaixo dela,
dou-te a mão para que me encontres no mapa da pele dorida,
para que me encontres talvez no mesmo sítio de sempre onde nunca foste,

amanhã meu amor,
dedico-te o vento que roça as estátuas já esverdeadas da tua cidade,
faço-te promessas de palavras que não existem,
desafio-te para um duelo de um só combatente,
deixo-te sozinho comigo encostada aos teus ombros de lava,

amanhã meu amor,
vou cantar canções na rádio da frequência 0.00,
vou atirar-te areia com os pés no meio de lugar nenhum,
devolvo-te as minhas ideias que nunca ouviste porque não sei dizê-las com boca nem mão,

amanhã meu amor,
vou gostar de ti como se fosses uma manga doce,
vou ter medo das paredes intactas do teu ser,
vou gritar às raízes das árvores por não as ser,
vou girar à volta do mundo sem sequer o saber,

amanhã meu amor,
vou desenhar a lápis de cera como as crianças,
dar-te um desenho de que me vou esquecer,
amadurecer à tua espera, à espera de me ver em ti,

amanhã meu amor,
vou fazer malabarismo com o tempo,
desprender-te da liberdade, da minha liberdade,
aconchegar-te à noite sem saberes,

só porque amanhã meu amor,
amanhã,
vou continuar a gostar de Ti.

Raquel Lacerda

Extraído do livro, Os Dias do Amor
(Inédito)

Pag 410



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/



A FADA DO POMBAL.

Era tão menina,
Dotada de um olhar de água, onde um fundo de medo sempre havia.
Dormia num beco solitário.
Só as pombas tinha na noite por companhia.
Um outro tempo, num dia de luar.
Alguém se abeirou a mão lhe deu.
Sorriu-lhe ela confiou.
Por uma escadaria iluminada a levou.
E disse á velha governanta.
Cuida desta flor, perfuma-a, penteia-a com amor.
Um tempo depois, já alindada.
Parecia boneca de porcelana.
Se sentou numa sala entre pratas. castiçais acesos, 
argolas nos guardanapos, 
pratos ornados de flores, imensos copos.
Perguntou! Se podia colher do prato as flores,
E para que eram tantas as jarras alindar a tolha bordada, 
antiga fiada e tecida em manual tear.
Riu o amavel protetor.
Respondeu.
Os pratos são de um país distante.
Os copos são para beber água e licores. Soltou a criança um riso estonteante.
Tlintou em cada copo. um beijo de cristal.
Fingiu colher do prato as flores.
Disseram-lhe tens de provar o manjar, porque tens de mulher te fazer e feliz ser.
A noite desceu,
Num quarto todo azul, parecia o céu.
Custou-lhe a adormecer, faltavam as pombas a cantar.
O luar a espreitar pelas frinchas das telhas já tão velhas,
As estrelas teimavam em brincar, até ela por fim adormecer.
Dormiu, entre lençois de seda, Sonhou com o céu as aves em bando. 
Foi correndo o tempo, Ela cresceu, estudou medicina, 
Musica aprendeu. A velha ama um dia não mais acordou. 
O seu protetor, sentado na poltrona não se cansava de a olhar. 
Seria ela um dia a ter tudo que ele possuia.
Um dia... ELA fundou um lar para familias desavindas.
Onde todas as crianças tinham um quarto azul para sonhar.
No jardim ladeado de magnolias floridas.
Havia um pombal enorme onda as rolas e pombas nidificavam.
A vida era sempre uma festa nesse jardim.
As crianças ali cresciam felizes.
O abrigo tinha por nome,
O SOLAR DOS GIRASSÓIS.
" só escrevi porque me é dado o direito de sonhar "


Augusta Mar.


Foto: by Mikhail Grafik

sexta-feira, 14 de abril de 2017





Amo-te Por Todas as Razões e Mais Uma

Por todas as razões e mais uma.
Esta é a resposta que costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo.
Porque nunca existe apenas uma razão para amar alguém.
Porque não pode haver nem há só uma razão para te amar.
Amo-te porque me fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem.
E porque me surpreendes e porque me sufocas e porque enches
a minha alma de mar e o meu espírito de sol e o meu corpo de fadiga.
E porque me confundes e porque me enfureces
e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero amar-te e porque tenho necessidade de te amar
e porque amar-te é uma aventura.
 Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez.
E por todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a conhecer.
E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho.
Estas são todas as razões.

Mas há mais uma: porque não pode existir outra como tu.


Joaquim Pessoa, 
in 'Ano Comum'




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/