terça-feira, 18 de abril de 2017





VIDA


Amparada num seio de mulher.
Mãe, sangue, amor, ternura, semente, terra.
Olhava essa mulher com esperança o céu estrelado.
Contava luas novas.
Seriam as nove luas o abrir da natureza de um humano ser.
Rasgou a pele, o fundo do ventre contraiu.
Explida fui como semente, que rasga seu casulo, talvez rompa um véu.
A mulher esqueceu a dor do esventrar sangrado o corpo em dor.
Encantada olhava a flor.
Me olhou, seu coração bateu.
Jurou ali perante a minha fragilidade amor.
Foi todo meu seu seio e regaço.
Foi todo meu seu enlevo,
Até me deu o seu cansaço.
Quando eu chorosa rasgava seu sono sereno.
Fitava com seu olhar azul céu
As gotas límpidas de mar que era meu olhar.
Num embalar de inocente ternura.
Adormecia ao peito sua flor.
Mas porque veloz o tempo foge?
Mas porque os cavalos brancos rasgam as nuvens do sonho.
A vida tem altas marés.
Sonhos irrealizáveis.
Mas memórias franjadas em recortes de asas de anjos ou aves.
Resta apenas, reconhecer a grandeza de vida dar.
Ter tantas saudades.
Mas hestoicamente viver e amar.
Vamos! Toca a caminhar.

Augusta Mar.


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/



Disse-te um dia
... que havia de dar-te uma estrela
tão real como os sonhos
do rio Guadalquivir
e o perfume adolescente
do teu corpo
a ondular na aurora de Sevilha
Não foste comigo a Barcelona
ver as pesadas corolas e os mosaicos
de La Pedrera
mas espera-me no aeroporto
de nunca antes
o rumor febril dos teu olhos
onde aprendi
que o tempo não existe
Mas a vida pode ser
também mágoa escura
bem sabes Por isso te prendo
as mãos sobre as ancas
para não fugirmos mais um do outro
e bebo todo o sol e afinal o tempo
nos teus lábios.



Urbano Tavares Rodrigues, 
em "Horas de Vidro"


Foto: pesquisa google

segunda-feira, 17 de abril de 2017




MODERNOS PAPIROS

No pasmo da noite só estrelas.
Brincam acordadas.
A dama lua se passeia arrastando um véu de luar e fantasia.
Lua cheia! Divina, prateada.
No leito das águas se reclina.
Esta distinta dama.
O rio em voz de água corredia,
Poesia declama.
A noite melodia…
Num despertar de névoas.
Os olhos buscam as trilhas para a felicidade.
Há cantares de flores a acordar.
Bocejos de lírios e tulipas, orvalhadas.
No ar perfume de asas a planar.
O peito arde,
Num sofrer de impotência perante os tempos.
Perto do abismo, valas comuns, sem clamor nem nomes.
A única palavra é insanidade.
Mais uma página se escreve no livro desorganizado do tempo.
Em folhas manchadas de dor.
Permaneça em nós um templo sem vitrais.
Iluminados apenas por cirios.
Caiam, pingos de cera, rolem lágrimas.
Cirios acesos em memória dos que emudeceram.
Haja luz a velar os que desapareceram.
Cirios a iluminar o adormecer das tardes.
Como os que se acendem aos deuses nas catedrais


Augusta Mar.

12/4/2017


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/









O MEU AMOR EXISTE


O meu amor tem lábios de silêncio
e mãos de bailarina
e voa como o vento
e abraça-me onde a solidão termina

O meu amor tem trinta mil cavalos
a galopar no peito
e um sorriso só dela
que nasce quando a seu lado eu me deito


O meu amor ensinou-me a chegar
sedento de ternura
sarou as minhas feridas
e pôs-me a salvo para além da loucura

O meu amor ensinou-me a partir
nalguma noite triste
mas antes, ensinou-me
a não esquecer que o meu amor existe



JORGE PALMA


Retratos: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

domingo, 16 de abril de 2017







° ° ° °°

Respiro o vento, e vivo de perfumes
No murmúrio das folhas de mangueira;
Nas noites de luar aqui descanso
e a lua enche de amor a minha esteira.



Álvares de Azevedo



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/




Ainda não...

Detém-te e olha à tua volta, antes, adiante.
Atentamente, olha também dentro de ti.
Há algo raro e especial neste instante,
que já não pode esperar para ser visto.
Há um sinal oculto atrás de tudo isto,
e há que lê-lo antes de seguir em frente.

Há qualquer coisa a colher, talvez a flor
de um jardim distante, antigo e esquecido.
Há um recado a entregar e a receber,
e algo a sarar, algo a polir, alguma dor.
Há uma conta a acertar, um beijo a dar,
um ponto a ver.
E há que examinar as malas e rever
se nada urgente foi deixado para trás.
ou se nada é demais,
se há peso morto a abandonar agora...

Há que escorar, ainda, um galho que está torto
de uma roseira bem ali, perto da casa.
Há uma ave que quebrou a frágil asa
e não consegue mais voar ou se mover.
Há tanto ainda para ouvir e para ver...
Não estás pronta,
não é ainda,
não é agora.

Em algum canto, há alguém que ainda chora,
e sabes que também é teu, o árduo pranto.
E há amor a cultivar e a colher, tanto...
E há mil palavras à tua espera para ser ...
Não é agora.
Não deve ser.

Recolhe em ti todo teu ímpeto e cansaço,
guarda contigo teu assombro e traz teu encanto.
Quando te fores, antes do último passo,
tudo há de estar quitado e pacificado.
Não porque temas ou infernos ou pecados,
mas porque sabes que é este o teu dever.

Sabes que há em ti duas vozes, pelo menos,
e uma ainda deve à outra o grande acerto
antes do qual não há epílogos ou acenos
mas só o imperativo:
Deves Ser.
E, isto sim,

é para agora.





Fonte: Poesia filosófica da profª Lúcia Helena


http://luciahga.blogspot.pt/

sábado, 15 de abril de 2017





Amanhã meu amor,

amanhã faço poemas com os teus dedos donde nascem flores,
amanhã escrevo-te cartas com os lábios a tremer de frio,
amanhã adormeço desperta no canto mais canto que houver da tua voz,

amanhã meu amor,
verei todas as folhas amarelas que nascem do chão e regressam aos ramos dos teus braços,
amanhã vou dançar no silêncio proibido que te cala,
amanhã fecho os olhos e finjo que estou acordada
para que me toques as pálpebras com a respiração ofegante de quem cega,

amanhã meu amor,
abro as janelas do peito onde nascem estrelas sem céu,
abro a cama e procuro-te debaixo dela,
dou-te a mão para que me encontres no mapa da pele dorida,
para que me encontres talvez no mesmo sítio de sempre onde nunca foste,

amanhã meu amor,
dedico-te o vento que roça as estátuas já esverdeadas da tua cidade,
faço-te promessas de palavras que não existem,
desafio-te para um duelo de um só combatente,
deixo-te sozinho comigo encostada aos teus ombros de lava,

amanhã meu amor,
vou cantar canções na rádio da frequência 0.00,
vou atirar-te areia com os pés no meio de lugar nenhum,
devolvo-te as minhas ideias que nunca ouviste porque não sei dizê-las com boca nem mão,

amanhã meu amor,
vou gostar de ti como se fosses uma manga doce,
vou ter medo das paredes intactas do teu ser,
vou gritar às raízes das árvores por não as ser,
vou girar à volta do mundo sem sequer o saber,

amanhã meu amor,
vou desenhar a lápis de cera como as crianças,
dar-te um desenho de que me vou esquecer,
amadurecer à tua espera, à espera de me ver em ti,

amanhã meu amor,
vou fazer malabarismo com o tempo,
desprender-te da liberdade, da minha liberdade,
aconchegar-te à noite sem saberes,

só porque amanhã meu amor,
amanhã,
vou continuar a gostar de Ti.

Raquel Lacerda

Extraído do livro, Os Dias do Amor
(Inédito)

Pag 410



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