A Rendeira
Rendeira, boa rendeira
não deixarás de tecer,
que o tecido é trabalheira,
que a gente, queira ou não queira,
há de ter a vida inteira,
como castigo e prazer...
Desde que o dia amanhece,
rendeira tece que tece,
não pára de tecer...
E o branco urdume entretece,
com o alvor da sua prece
roubado do amanhecer!
Tem na renda o seu cuidado,
tece-a para o seu noivado...
Mais alva não pode ser!
Mas por arte do malvado,
não tinha o lavor findado,
fere a sua nívea mão...
E o sangue corre encarnado
mancha-lhe todo o rendado...
Quanta dor no coração!
E a rendeira se entristece,
pois na renda que ela tece,
a imagem da vida tem,
cujo tecido oferece
manchas de sangue também...
Rendeira boa rendeira,
não deixarás de tecer,
que o tecido é trabalheira,
que a gente, queira ou não queira,
há de ter a vida inteira,
como castigo e prazer...
Bento Prado Júnior,
filósofo, escritor e poeta brasileiro
(1937-2007).
Foto: https://www.pinterest.pt
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