domingo, 12 de janeiro de 2020






A Rendeira



Rendeira, boa rendeira
não deixarás de tecer,
que o tecido é trabalheira,
que a gente, queira ou não queira,
há de ter a vida inteira,
como castigo e prazer...

Desde que o dia amanhece,
rendeira tece que tece,
não pára de tecer...

E o branco urdume entretece,
com o alvor da sua prece
roubado do amanhecer!

Tem na renda o seu cuidado,
tece-a para o seu noivado...
Mais alva não pode ser!

Mas por arte do malvado,
não tinha o lavor findado,
fere a sua nívea mão...

E o sangue corre encarnado
mancha-lhe todo o rendado...
Quanta dor no coração!

E a rendeira se entristece,
pois na renda que ela tece,
a imagem da vida tem,
cujo tecido oferece
manchas de sangue também...

Rendeira boa rendeira,
não deixarás de tecer,
que o tecido é trabalheira,
que a gente, queira ou não queira,
há de ter a vida inteira,
como castigo e prazer...





Bento Prado Júnior,

filósofo, escritor e poeta brasileiro (1937-2007).




Foto: https://www.pinterest.pt

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