Ruinas
Pandeiros rôtos e côxas táças de crystal aos pés da muralha.
Heras como Romeus, Julietas as ameias. E o vento toca, em
bandolins distantes, surdinas finas de princezas mortas.
Poeiras adormecidas, netas fidalgas de minuetes de mãos
esguias e de cabelleiras embranquecidas.
Aquellas ameias cingiram uma noite peccados sem fim; e ainda
guardam os segredos dos mudos beijos de muitas noites. E a lua velhinha todas
as noites réza a chorar: Era uma vez em tempo antigo um castello de nobres
naquelle lugar... E a lua, a contar, pára um instante - tem mêdo do frio dos
subterraneos.
Ouvem-se na sala que já nem existe, compassos de danças e
rizinhos de sêdas.
Aquellas ruinas são o tumulo sagrado de um beijo adormecido
- cartas lacradas com ligas azues de fechos de oiro e armas reais e lizes.
Pobres velhinhas da côr do luar, sem terço nem nada, e
sempre a rezar...
Noites de insonia com as galés no mar e a alma nas galés.
Archeiros amordaçados na noite em que o côche era de volta
ao palacio pela tapada d'El-rei. Grande caçada na floresta--galgos brancos e
Amazonas negras. Cavalleiros vermêlhos e trombêtas de oiro no cimo dos outeiros
em busca de dois que faltam.
Uma gondola, ao largo, e um pagem nas areias de lanterna
erguida dizendo pela briza o aviso da noite.
O sapato d'Ella desatou-se nas areias, e fôram calça-lo nas
furnas onde ninguem vê. Nas areias ficaram as pègadas de um par que se beija.
Noticias da guerra - choros lá dentro, e crépes no brazão.
Ardem cirios, serpentinas. Ha mãos postas entre as flôres.
E a torre morêna canta, molenga, dôze vezes a mesma dôr.
Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'
1893/1970
Fonte: http://www.citador.pt/
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
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