Gabriel García Márquez, escritor, jornalista, editor,
ativista e político colombiano 1927/2014
Controlar a Timidez
Nunca consegui controlar a timidez. Quando tive que
enfrentar em carne viva a incumbência que nos deixou o pai errante, aprendi que
a timidez é um fantasma invencível. De cada vez que tinha que solicitar um
crédito, mesmo dos combinados de antemão em lojas de amigos, demorava horas em
redor da casa, reprimindo a vontade de chorar e as contracções da barriga, até
que me atrevia por fim, com as mandíbulas tão apertadas que não me saía a voz.
Havia sempre algum comerciante sem coração para me atrapalhar ainda mais:
«Miúdo parvo, não se pode falar com a boca fechada.» Mais de uma vez regressei
a casa com as mãos vazias e uma desculpa inventada por mim. Mas nunca mais
tornei a ser tão desgraçado como da primeira vez que quis falar pelo telefone
na loja da esquina. O dono ajudou-me com a operadora, pois ainda não existia o
serviço automático. Senti o sopro da morte quando me deu o auscultador.
Esperava uma voz serviçal e o que ouvi foi o latido de alguém que falava no
escuro ao mesmo tempo que eu. Pensei que o meu interlocutor também não me ouvia
e levantei a voz tanto quanto pude. O outro, enfurecido, também elevou a sua
voz:
- E tu, porque carago me gritas!
Desliguei, aterrado. Devo admitir que, apesar da minha febre
de comunicação, tenho ainda que reprimir o pavor do telefone e do avião e não
sei se me vem desses dias. Como podia conseguir fazer qualquer coisa? Por
sorte, a minha mãe repetia com frequência a resposta: «É preciso sofrer para
servir.»
Gabriel García Marquez, in 'Viver para Contá-la'
Fonte: http://www.citador.pt/
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
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