Elegia
Um dia, amor, tudo o que existe agora,
Tudo o que forma o nosso grande orgulho,
A pureza e o esplendor de nossas almas,
Terá morrido, sem deixar lembrança,
Na velha terra indiferente aos homens.
Nada do que hoje nos parece eterno
Terá ficado do naufrágio imenso.
Esquecidas de nós, as novas almas
Levantarão para as estrelas mudas
O milagre feliz dos novos sonhos,
Sem talvez meditar que a terra outrora
Vira prodígios e deslumbramentos
Semelhantes aos seus, sob um céu puro.
Uma névoa de pó terá coberto
As cidades vaidosas, onde os homens
Hoje, lutando, desvairados, sofrem.
E apenas raros monumentos tristes
Lembrarão, no candor da branca pedra,
A fronte sacratíssima de um sábio,
De um herói, de um guerreiro, de um poeta,
Que a glória cinja com a divina palma.
Novos deuses, em templos majestosos,
Receberão, no plácido silêncio,
O murmúrio das preces comovidas,
O perfumado fumo das oblatas
E o amor das multidões...
Ah! nesse tempo
Eu terei recebido dos destinos
O bem do esquecimento imperturbável...
Deste homem que hoje sou - das minhas crenças,
Dos meus sonhos de amor, dos meus desejos,
Das minhas ambições mais rutilantes -
Nada mais restará, nada, na terra!
Mas, quem sabe? Talvez, um dia, um homem,
Amigo das pesquisas minuciosas,
Visite longamente as bibliotecas,
Onde durmam os livros seculares,
Que as traças lentas vão destruindo a custo.
E esse homem, cheio de um amor antigo,
Curioso do viver das eras mortas,
Talvez encontre, entre outros livros velhos,
Estes versos que escrevo, e em que minha alma
Fala à tua alma em longas confidências.
E então, meu lindo amor, como evadidos
De um sepulcro, nós dois ressurgiremos
Aos olhos caridosos desse amigo,
Vindos das densas sombras do passado.
Múcio Leão, poeta e jornalista brasileiro 1898/1969
(Poesias, 1949.)
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
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