quarta-feira, 22 de novembro de 2017





Preciosa e o ar

Sua lua de pergaminho
Preciosa tocando vem
por um anfíbio sendeiro
de cristais e de louros leves.
O silêncio sem estrelas,
fugindo do sonsonete,
cai onde o mar bate e canta
sua noite cheia de peixes.
Nos altos picos da serra
carabineiros dormecem
vigiando as brancas torres
onde vivem os ingleses.
E a ciganagem da água
levanta co’ algum prazer,
carrosséis de caracóis
e ramos de pinho verde.
*
Sua lua de pergaminho
Preciosa tocando vem.
Ao vê-la se põe erguido
o vento que não dormece.
São Cristóvão desnudado,
cheio de línguas celestes,
olha a menina tocando
uma doce gaita ausente.
Moça, deixa que levante
teu vestido para ver-te.
Abre em meus dedos arcaicos
a rosa azul de teu ventre.
Preciosa atira o pandeiro
e corre sem se deter.
O vento-machão persegue
com espada incandescente.
Franze seu rumor o mar.
Olivas empalidecem.
Cantam as flautas de sombra
e o liso gongo da neve.
Preciosa, corre, Preciosa,
que te agarra o vento verde!
Preciosa, corre, Preciosa!
Olha por onde ele vem!
Sátiro de estrelas baixas
com suas línguas reluzentes.
*
Preciosa, cheia de medo,
entra na casa existente,
mais acima dos pinheiros,
consulado dos ingleses.
Assustados pelos gritos
três carabineiros vêm,
suas negras capas cingidas
e gorros em suas frentes.
O inglês dá à cigana
um copo de um morno leite,
e uma taça de genebra
que Preciosa, então, não bebe.
E enquanto conta, chorando,
a aventura àquela gente,
nas telhas de ardósia o vento,
furioso, mete-lhe os dentes.

Jacques Prévert,
tradução de Adriano Scandolara



Via: https://escamandro.wordpress.com/

Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

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