Amei-te sem Saberes
No avesso das palavras
Na contrária face
Da minha solidão
Eu te amei
E acariciei
O teu imperceptível crescer
Como carne da lua
Nos nocturnos lábios entreabertos
E amei-te sem saberes
Amei-te sem o saber
Amando de te procurar
Amando de te inventar
No contorno do fogo
Desenhei o teu rosto
E para te reconhecer
Mudei de corpo
Troquei de noites
Juntei crepúsculo e alvorada
Para me acostumar
À tua intermitente ausência
Ensinei às timbilas
A espera do silêncio
Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'
Mia Couto - escritor e biólogo moçambicano. (1955)
Hora Mística
Noite caindo ... Céu de fogo e flores.
Voz de Crepúsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
Silêncio ... Eis-me rezando aos fins do dia.
Névoa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.
Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
Oh, cores na água vindo às mãos em branco!
Minha ópera de Sol ao último arranco.
E, oh! hora mística em que o olhar abraso,
Sol expirando aos Pórticos do Ocaso!
Dobra em meu peito um oceano em coro.
Afonso Duarte, in "Tragédia do Sol-Posto"