sexta-feira, 6 de maio de 2022

 

 




 

 

Homens parem de gritar,

E ouçam o silêncio do vento.

E meditem nos segredos do mar,

E na imensidão do firmamento.

E contemplem, também,

A coisa mais preciosa que o mundo tem:

Uma criança.

Reparem na candura do sorriso dela, a brincar

No colo de sua mãe, no aconchego do doce lar.

Longe,

Bem longe, do alcance de déspotas avarentos,

Que passam momentos

A jurar que só querem o bem,

De todas as crianças que o mundo tem.

Porque elas, lindas e queridas,

São anjos inocentes, o melhor das suas vidas.

Mas, isso, é só ruído.

Palavras dolentes, sem sentido,

Dos que não querem ver

Tanta criança a sofrer,

Por esse mundo além,

Abraçadas ao peito da sua mãe,

Chupando peles gretadas,

Que a sede e a fome ressequiram,

E jazem sentadas, junto do seu amado Ser,

De olhos enxutos, sem lágrimas para verter.

Ó desumanidade!

Ó crueldade!

Ó Senhor meu Deus,

Dizei-me por favor,

Porque há tanta criança abandonada,

A perecer com sede e com fome,

Torturadas pela dor,

Com a complacência de parte da humanidade?

Enquanto ao som de trombetas,

Em salões forrados de veludo,

Há criaturas que fazem juras, e tudo,

Dizendo que só querem o bem

De todas as crianças,

Porque elas são o melhor que o mundo tem.

Ó desfaçatez!

Ó Ingratidão!

Porque não calam elas a sua usura,

E refreiam a sua ambição?

E não pensam, por uma vez,

Que as migalhas que sobram da sua mesa,

E o escorrer das suas taças de cristal,

Bastavam para não morrerem,

Com fome, com sede e com mal,

Tantas crianças que juram amar.

Sim, ó vós?

Que em verdade sabeis,

Que elas estão a padecer.

Enquanto assobiais,

Julgando-vos imortais.

Que mundo cruel,

O vosso, com tão amargo fel!

Guardai as vossas lágrimas,

De serpente rastejante.

Guardai os vossos lamentos e ais,

Mas não venham dizer, de ora avante,

Ou jamais,

Que não sabeis, de verdade,

Dessas crianças com tanta necessidade.

Ou será que o fazeis,

Para melhor adormecerdes

Sobre o peso da vossa consciência!

Que julgais ser leve,

E pesa mais que o bronze.

Enquanto, não longe,

Se fina, num contínuo permanente,

Tanta criança inocente.

Não. Não venham com a falsa bondade,

Nem com a vossa sacra fé.

Porque isso mais não é

Que a negação da caridade.

O que me leva a acreditar,

Que nem os dóceis vermes da terra

Hão de querer tragar,

Os vossos corpos fedorentos.

E as moscas, e as formigas,

E até os ratos, seguirão tais intentos.

Ide para os Infernos,

Criaturas com tais sentimentos.

Ah!, se eu pudesse lançar um raio

Aos vossos corações de besouro,

Que vos afogasse nos palácios de ouro,

Erguidos sobre o sofrimento de tanto inocente,

Eu o faria, num repente!

Vão embora!!!

Porque até o doce mar profundo

Não vos há de querer sepultar.

Nem as flores silvestres,

Emprestar o seu perfume.

Evaporem-se,

Corja de malfeitores.

Para que haja um mundo melhor,

Mais generoso e fraterno,

No amor e na esperança,

Com o sorriso de uma criança!

Mas não vos esqueçais,

Que partis sem o perdão dos que cá ficam.

E sem a misericórdia e contemplação,

Dessas crianças que estão no Céu,

Enviadas pela vossa mão.

 

De João de Deus Rodrigues

In Livro “O acordar das emoções”

 

 

 

 


quinta-feira, 5 de maio de 2022

 

 



 

5 de Maio - Dia Mundial da Língua Portuguesa

 

Languidez

 

Tardes da minha terra, doce encanto,

Tardes duma pureza de açucenas,

Tardes de sonho, as tardes de novenas,

Tardes de Portugal, as tardes d’Anto,

 

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!…

Horas benditas, leves como penas,

Horas de fumo e cinza, horas serenas,

Minhas horas de dor em que eu sou santo!

 

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,

Que poisam sobre duas violetas,

Asas leves cansadas de voar…

 

E a minha boca tem uns beijos mudos…

E as minhas mãos, uns pálidos veludos,

Traçam gestos de sonho pelo ar.

 

 

Florbela Espanca, no livro “Livro de Mágoas”. 1919.

 

 

 

sábado, 30 de abril de 2022

 

 



Poema sobre a Guerra

Onde se esconde paz


Slava Ukraini    💙  🇺🇦  💛

 

 

Convoca as bordadeiras, os tecelões e os ourives

e diz-lhes que não haverá mais bodas

até que volte a pronunciar-se de novo a palavra paz

nos mercados, nas veredas, nas alcovas, nos portais.

Ainda ontem uma mãe sepultou dois filhos

no lugar onde antes era luminosa a flor do riso,

a corola branca dos amores sem mácula.

Depois todos se calaram e vieram as lágrimas,

as súplicas, as unhas cravadas na carne ferida.

E foi a raiva, e foi a dor sem nome, a miséria da alma.

É assim a guerra, disseram. E mais não souberam dizer.

E foram os pais despedir-se dos filhos na neblina dos cais.

Quando se voltava era sempre com um pedaço de vida

a menos, com uma cratera aberta no lugar da voz,

com uma chaga viva no vazio do coração.

Depois vieram os cães e as aves soturnas e negras,

as larvas, os ossos crucificados nos ramos ardidos,

os nomes dos filhos, dos pais, dos irmãos

gravados na pedra exausta de tanta morte.

Sempre foi e será assim a guerra, sentenciavam.

Mas havia meninos que ganhavam asas sobre os escombros

e levitavam como palavras do princípio de tudo

sobre os campos das batalhas que nunca ninguém venceu.

E vieram com eles as borboletas, os duendes e os adivinhos

e desenharam na terra o rosto imaculado da paz

e na areia fina o mapa das viagens em direcção à luz.

E com eles regressaram as bordadeiras, os tecelões e os ourives,

e as casas voltaram a ter o odor dos frutos e da alfazema,

o rumor cantante das fontes e das núpcias.

E foi assim a paz, laboriosa como uma mãe altiva.

Ainda ontem uma mãe assim deu à luz dois filhos

com os nomes dos que outra mãe um dia ali sepultara.

E foi assim a paz, como um rio lavando o ventre da terra.

Agora podes adormecer tranquila, mãe, porque os canhões

encheram a boca de vento e morreram sufocados

como carrascos cegos pelo lume do remorso

e deixaram que deles se soltasse uma música antiga,

capaz de fazer das espadas dos heróis

as guitarras que adoçam a alma eterna e livre das manhãs.

 

 

José Jorge Letria (Janeiro de 2007)

 

 

terça-feira, 26 de abril de 2022

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

26 de abril de 1986 - Desastre em Chernobil 


Um lugar lindo, coberto de flores e campinas com lírios-aquáticos no riacho uma abundância de frutinhas e cogumelos...


A 26 de abril de 1986, o reator número quatro do complexo nuclear de Chernobil, na Ucrânia (URSS), explode. A nuvem radioativa afetou países vizinhos, provocou 31 mortes no primeiro dia, contaminou 10 mil quilômetros quadrados e atingiu com as radiações 600 mil pessoas.


Naquele dia a radiação foi lançada no ar, no solo, na água

mais que todos os testes nucleares realizados e todas as bombas detonadas

Uma nuvem de medo, ansiedade, incerteza pairou sobre a vida de milhões de pessoas

A nuvem embrenhou-se pelas plantações de pinheiros cobriu o bosque numa ação radioativa de cinzas

Toneladas de material radioativo lançados na atmosfera

Os liquidadores lacraram o reator transformando num sarcófago de aço e concreto

Perderam o seu lar deixaram tudo para trás roupas, dinheiro documentos, alimentos tudo que possuíam...

Um lugar lindo, coberto de flores e campinas com lírios-aquáticos no riacho uma abundância de frutinhas e cogumelos

Um acidente nuclear

Uma crise social e psicológica com proporções esmagadoras

Só então entenderam que nunca mais voltariam


Marcia Lailin