sábado, 12 de novembro de 2022

 

 

 


 

As Uvas e o  Vento

 

 

Era o tempo de Pushkin,

A primavera plana,

Uma onda no ar

Como a vela pura

De um barco transparente

Ia pelas campinas

Levantando a erva e o aroma

Das germinações.

Perto de Leninegrado os abetos

Dançavam uma valsa lenta

De horizonte marinho.

Numa a Este

Marchavam os motores,

As rodas, a energia,

Os rapazes e as moças.

Trepidava a estepe,

Os cordeiros punham

Sua pontuação nevada

Na imensa extensão da ternura.

Vasta é a União Soviética

Como nenhuma terra.

Tem espaço

Para a menor flor azul

E para a usina gigante.

Tremem e cantam grandes rios

Sobre sua pele extensa

E ali vive

O esturjão que guarda envolto em prata

Diminutos cachos

De frescor e delícia.

O urso nas montanhas

Vai com os pés delicados

Como um antigo monge da aurora

De uma basílica verde.

Mas é o homem o rei

Das terras soviéticas,

O pequeno homem

Que acaba de nascer,

Chama-se Ivan ou Pedro,

E chora

E pede leite:

É ele, o herdeiro.

Largo é o reino e afofado

Com tapetes de erva e neve.

A noite apenas cobre

Com seu diadema frio

A cabeça, o cimo

Dos montes Urais,

E o mar lambe o contorno

De gelo ou terra doce,

Glaciais territórios

Ou países de uva.

Tudo possui:

A terra em movimento

Como uma vasta empresa

Onde deve,

Desde que nasce,

Cantar e trabalhar,

Porque o reino fecundo

É obra de homens.

Antes foi escura a terra,

Fome e dor encheram

O tempo e o espaço.

Então na história

Veio Lênin

Mudou a terra,

Depois Stalin

Mudou o homem

Depois a paz, a guerra,

O sangue, o trigo:

Dificilmente tudo

Se foi cumprindo

Com força e alegria,

E hoje Ivan herdou

De mar a mar a primavera rubra,

Por onde te levo pela mão.

Escuta, escuta

Este canto de pássaros:

Silva a prata no temor molhado

De sua voz matutina,

Eu o persigo entre agulhas

E leques de pinheiros

Outro canto responde,

Povoa-se o bosque

De vozes na altura.

De bosque a bosque cantam,

De semana a semana,

De aurora a aurora mudam

Trios recém-nascidos.

De aldeia a aldeia se respondem,

De usina a usina,

De rio a rio,

De metal a metal, de canto a canto.

O vasto reino canta,

Se responde cantando

Orvalho têm folhas

Na manhã clara.

Sabor de estrela fresca

Tem bosque.

Como por um planeta

Vai lentamente andando

A primavera pela terra russa,

E espigas e homens nascem

Sob seus pés de prata.

 

 

(Pablo Neruda)

 

(Tradução de Carlos Nejar)

 

Unknown author – Art

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

 

 

 


 

 

Joelho

 

 

Ponho um beijo

Demorado

No topo do teu joelho

 

Desço-te a perna

Arrastando

A saliva pelo meio

 

Onde a língua

Segue o trilho

Até onde vai o beijo

 

Não há nada

Que disfarce

De ti aquilo que vejo

 

Em torno um mar

Tão revolto

No cume o cimo do tempo

 

E os lençóis desalinhados

Como se fosse

De vento

 

Volto então ao teu

Joelho

Entreabrindo-te as pernas

 

Deixando a boca

Faminta

Seguir o desejo nelas.

 

 

 

Maria Teresa Horta