Tu És uma Mulher Rara
Minha Anuska, onde foste buscar a ideia de que és uma mulher
como outra qualquer? Tu és uma mulher rara, e, além do mais, a melhor de todas
as mulheres. Tu própria não sonhas as qualidades que tens. Não só diriges a
casa e as minhas coisas, como a nós todos, caprichosos e enervantes, a começar
por mim e a acabar no Aléxis. Nos meus trabalhos desces ao mais pequeno
pormenor, não dormes o suficiente, ocupada com a venda dos meus livros e com a
administração do jornal. Contudo, conseguimos apenas economizar alguns copeques
- quanto aos rublos, onde estão eles?
Mas a teu lado nada disso tem importância. Devias ser
coroada rainha, e teres um reino para governar: juro-te que o farias melhor que
ninguém. Não te falta inteligência, bom senso, sentido da ordem e, até...
coração. Perguntas como posso eu amar uma mulher tão velha e feia como tu Aí,
sim, mentes. Para mim és um encanto, não tens igual, e qualquer homem de
sentimentos e bom gosto to dirá, se atentar em ti. Por isso é que às vezes
sinto ciúmes. Tu própria nem sabes a maravilha que são os teus olhos, o sorriso
e a animação que pões na conversa. O mal é saíres poucas vezes, se não ficarias
admirada com o teu êxito. Para mim é melhor assim - no entanto, Anuska, minha
rainha, sacrificaria tudo, até os meus ataques de ciúmes, se quisesses sair e
distraíres-te. Sim, muito gostaria que te divertisses. E se tivesse ciúmes,
vingava-me querendo-te ainda mais.
(...) Enfim, não deves admirar-te que te queira tanto, como
marido e como homem. Sim, quem, se não tu, me estraga com mimos? Quem, se não
tu, se fundiu comigo em corpo e alma? Todos os segredos, nesse ponto nos são
comuns! E não havia eu de adorar cada átomo da tua pessoa e beijar-te como te
beijo? Tu não podes compreender a mulher-anjo que és.
Mas eu provo-to, quando voltar. Que eu sou de temperamento
apaixonado, mas pensas que outro temperamento apaixonado possa amar a tal ponto
uma mulher como eu to provei milhares de vezes? É verdade que essas provas
antigas não contam, e agora, quando voltar, parece-me que te devorarei com
beijos. (Ninguém lerá esta carta, nem tu a mostrarás a ninguém).
(...) Escreves-me a frase do costume: que somos umas pessoas
muito estranhas - decorreram dez anos e amamo-nos cada vez mais. Se vivermos
ainda mais dez anos, dirás então: somos umas pessoas muito estranhas - vivemos
juntos vinte anos e amamo-nos cada vez mais. Por mim, respondo eu. Mas viverei
ainda dez anos?
(...) Anuska, estou a teus pés. Beijo-te e adoro-te. Rezo
por ti e para ti. Beijo-te toda, toda. Beijo os pequenos. Diz-lhes que o
paizinho não tarda. Ah, meus queridos, que Deus vos guarde.
Fiodor Dostoievski, in 'Carta a Anna Grigórievna Snítkina
(1876)'