segunda-feira, 3 de junho de 2019





Poema de Amor sobre um tema de Whitman


Entrarei silencioso no quarto de dormir e me deitarei
entre noivo e noiva,
esses corpos caídos do céu esperando nus em sobressalto,
braços pousados sobre os olhos na escuridão,
afundarei minha cara em seus ombros e seios, respirarei tua pele
e acariciarei e beijarei a nuca e a boca e mostrarei seu traseiro,
pernas erguidas e dobradas para receber,
caralho atormentado na escuridão, atacando,
levantado do buraco até a cabeça pulsante,
corpos entrelaçados nus e trêmulos,
coxas quentes e nádegas enfiadas uma na outra
e os olhos, olhos cintilando encantadores,
abrindo-se em olhares e abandono,
e os gemidos do movimento, vozes, mãos no ar, mãos entre as coxas,
mãos, na umidade de macios quadris, palpitante contração de ventres
até que o branco venha jorrar no turbilhão dos lençóis
e a noiva grite pedindo perdão
e o noivo se cubra de lágrimas de paixão e compaixão
e eu me erga da cama saciado de últimos gestos íntimos
e beijos de adeus –
tudo isso antes que a mente desperte,
atrás das cortinas e portas fechadas da casa escurecida
cujos habitantes perambulam insatisfeitos pela noite,
fantasmas desnudos buscando-se no silêncio.


Allen Ginsberg, poeta americano (1926-1997).




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

terça-feira, 21 de maio de 2019

quinta-feira, 9 de maio de 2019










Saborear o sonho



Eu queria sorver o perfume da tua madrugada
colar a mim o azul do céu sem dizer mais nada
saborear o sonho imenso de estar aqui
fechando os olhos e pensando em ti
escrever frases
até que o dia adormeça dentro de mim
cerrar o peito e inventar uma poesia
que não tivesse fim
soltar montanhas de frases
em vírgulas nunca ditas nem inventadas
e nos lábios da minha serra linda e deslumbrante
deixar um beijo de mel com sabor adoçante




António José da Silva, escritor e teatrólogo português 1705-1739






Christian Coigny Photography

sábado, 4 de maio de 2019






Atração e Repulsão

Eu nada mais sonhava nem queria
Que de ti não viesse, ou não falasse;
E como a ti te amei, que alguém te amasse,
Coisa incrível até me parecia.

Uma estrela mais lúcida eu não via
Que nesta vida os passos me guiasse,
E tinha fé, cuidando que encontrasse,
Após tanta amargura, uma alegria.

Mas tão cedo extinguiste este risonho,
Este encantado e deleitoso engano,
Que o bem que achar supus, já não suponho.

Vejo, enfim, que és um peito desumano;
Se fui té junto a ti de sonho em sonho,
Voltei de desengano em desengano.



Adelino Fontoura, poeta, jornalista e ator brasileiro (1859-1844).



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quarta-feira, 1 de maio de 2019






Um Diamante



Existe
Um diamante
No coração da lua ou dos ramos ou da minha nudez
E não há nada no universo como um diamante
Nada em toda a mente.
O poema é uma gaivota descansando em um cais no fim do oceano.
Um cão uiva na lua
Um cão uiva nos ramos
Um cão uiva na nudez
Um cão uivando com a mente pura.
Peço ao poema que ele seja tão puro quanto a barriga de uma gaivota.
O universo desmorona e revela um diamante
Duas palavras chamadas gaivota estão pacificamente flutuando lá onde as ondas estão.
O cão está morto lá com a lua, com os ramos, com minha nudez
E não há nada no universo como um diamante
Nada em toda a mente.



Jack Spicer



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segunda-feira, 29 de abril de 2019






A ponte



Para cruzá-la ou não cruzá-la
Eis a ponte
Na outra margem alguém me espera
Com um pêssego e um pais
Trago comigo oferendas desusadas
Entre elas um guarda-chuva de umbigo de madeira
Um livro com os pânicos em branco
E um violão que não sei abraçar
Venho com as faces da insônia
Os lenços do mar e das pazes
Os tímidos cartazes da dor
As liturgias do beijo e da sombra
Nunca trouxe tanta coisa
Nunca vim com tão pouco
Eis a ponte
Para cruzá-la ou não cruzá-la
E eu vou cruzar
Sem prevenções
Na outra margem alguém me espera
Com um pêssego e um país
.


Mario Benedetti  “Antologia poética”





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