segunda-feira, 26 de março de 2018





Dias de luz

Um toque na pele, e um suave acordar numa
Manhã de primavera nesse campo despido e no
Segredo da aurora distante por esconderijos dos lobos
Fraternos a minha alma; numa cadeira despida
Por feixes de luz vermelhos num acordar de todas
As almas… Numa renda de bocas soltas pela igualdade,
Eu vi-te sair do espaço; em espaços longos de luz que
Te faziam caminhar lentamente até mim… Por ti
Ser, estar ficar sonhar e numa realidade de preludio distante;
um acordar simplesmente só para ti…

Bartô Costa Cabral



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quarta-feira, 21 de março de 2018





O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.


Fernando Pessoa




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

sexta-feira, 16 de março de 2018




Quem não Ama não Vive

Já na minha alma se apagam
As alegrias que eu tive;
Só quem ama tem tristezas,
Mas quem não ama não vive.

Andam pétalas e fôlhas
Bailando no ár sombrío;
E as lágrimas, dos meus olhos,
Vão correndo ao desafio.

Em tudo vejo Saudades!
A terra parece mórta.
- Ó vento que tudo lévas,
Não venhas á minha pórta!

E as minhas rosas vermelhas,
As rosas, no meu jardim,
Parecem, assim cahidas,
Restos de um grande festim!

Meu coração desgraçado,
Bebe ainda mais licôr!
- Que importa morrer amando,
Que importa morrer d'amôr!

E vem ouvir bem-amado
Senhor que eu nunca mais vi:
- Morro mas levo commigo
Alguma cousa de ti.

António Botto, in 'Canções'





Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quarta-feira, 14 de março de 2018





O "Adeus" de Teresa

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala

E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa

E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!

E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"

Castro Alves



Foto: Antonia Haswell by Sebastian Sabal-Bruce in Khaite Spring 2017 

terça-feira, 13 de março de 2018





Ter um sonho, um sonho lindo,
Noite branda de luar,
Que se sonhasse a sorrir
Que se sonhasse a chorar

Ter um sonho, que nos fosse
A vida, a luz, o alento,
Que a sonhar beijasse doce
A nossa boca  um lamento

Ser para nós o guia, o norte,
Na vida o único trilho;
E depois ver vir a morte

Despedaçar esses laços!…
É pior que ter um filho
Que nos morresse nos braços

Florbela Espanca



Foto: By Laura Sheridan's

quinta-feira, 8 de março de 2018





A luz que vem das pedras, do íntimo da pedra,
tu a colhes, mulher, a distribuis
tão generosa e à janela do mundo.
O sal do mar percorre a tua língua;
não são de mais em ti as coisas mais.
Melhor que tudo, o voo dos insectos,
o ritmo nocturno do girar dos bichos,
a chave do momento em que começa o canto
da ave ou da cigarra
a mão que tal comanda no mesmo gesto fere
a corda do que em ti faz acordar
os olhos densos de cada dia um só.
Quem está salvando nesta respiração
boca a boca real com o universo?

Pedro Tamen, in "Agora, Estar"




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

terça-feira, 6 de março de 2018




Ama-me por amor do amor somente.
Não digas: “Amo-a pelo seu olhar,
O seu sorriso, o modo de falar
Honesto e brando. Amo-a porque se sente

Minh’alma em comunhão constantemente
Com a sua”. Porque pode mudar
Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
Do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
De tuas mãos enxuga, pois se em mim
Secar, por teu conforto, esta vontade

De chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
Me hás de querer por toda a eternidade.


Elizabeth Barrett Browning




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/