quarta-feira, 5 de junho de 2019








Meu Amor



Em outro corpo vai meu amor por esta rua,
sinto seus passos embaixo da chuva,
caminhando, sonhando, como em mim já faz tempo...
Há ecos de minha voz em seus sussurros
posso reconhecê-los.
Tem agora uma idade que era a minha,
uma lâmpada que se acende ao nos encontrarmos.
Meu amor que se embeleza com o mar das horas,
meu amor no terraço de um café
com um hibisco branco entre as mãos,
vestida à antiga do novo milênio.
Meu amor que seguirá quando me for,
com outro riso e outros olhos,
como uma chama que deu um salto entre duas velas
e ficou iluminando o azul da Terra.



Eugenio Montejo, poeta venezuelano (1938-2008).




Jennifer Hudson Photography

segunda-feira, 3 de junho de 2019





Poema de Amor sobre um tema de Whitman


Entrarei silencioso no quarto de dormir e me deitarei
entre noivo e noiva,
esses corpos caídos do céu esperando nus em sobressalto,
braços pousados sobre os olhos na escuridão,
afundarei minha cara em seus ombros e seios, respirarei tua pele
e acariciarei e beijarei a nuca e a boca e mostrarei seu traseiro,
pernas erguidas e dobradas para receber,
caralho atormentado na escuridão, atacando,
levantado do buraco até a cabeça pulsante,
corpos entrelaçados nus e trêmulos,
coxas quentes e nádegas enfiadas uma na outra
e os olhos, olhos cintilando encantadores,
abrindo-se em olhares e abandono,
e os gemidos do movimento, vozes, mãos no ar, mãos entre as coxas,
mãos, na umidade de macios quadris, palpitante contração de ventres
até que o branco venha jorrar no turbilhão dos lençóis
e a noiva grite pedindo perdão
e o noivo se cubra de lágrimas de paixão e compaixão
e eu me erga da cama saciado de últimos gestos íntimos
e beijos de adeus –
tudo isso antes que a mente desperte,
atrás das cortinas e portas fechadas da casa escurecida
cujos habitantes perambulam insatisfeitos pela noite,
fantasmas desnudos buscando-se no silêncio.


Allen Ginsberg, poeta americano (1926-1997).




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

terça-feira, 21 de maio de 2019

quinta-feira, 9 de maio de 2019










Saborear o sonho



Eu queria sorver o perfume da tua madrugada
colar a mim o azul do céu sem dizer mais nada
saborear o sonho imenso de estar aqui
fechando os olhos e pensando em ti
escrever frases
até que o dia adormeça dentro de mim
cerrar o peito e inventar uma poesia
que não tivesse fim
soltar montanhas de frases
em vírgulas nunca ditas nem inventadas
e nos lábios da minha serra linda e deslumbrante
deixar um beijo de mel com sabor adoçante




António José da Silva, escritor e teatrólogo português 1705-1739






Christian Coigny Photography

sábado, 4 de maio de 2019






Atração e Repulsão

Eu nada mais sonhava nem queria
Que de ti não viesse, ou não falasse;
E como a ti te amei, que alguém te amasse,
Coisa incrível até me parecia.

Uma estrela mais lúcida eu não via
Que nesta vida os passos me guiasse,
E tinha fé, cuidando que encontrasse,
Após tanta amargura, uma alegria.

Mas tão cedo extinguiste este risonho,
Este encantado e deleitoso engano,
Que o bem que achar supus, já não suponho.

Vejo, enfim, que és um peito desumano;
Se fui té junto a ti de sonho em sonho,
Voltei de desengano em desengano.



Adelino Fontoura, poeta, jornalista e ator brasileiro (1859-1844).



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quarta-feira, 1 de maio de 2019






Um Diamante



Existe
Um diamante
No coração da lua ou dos ramos ou da minha nudez
E não há nada no universo como um diamante
Nada em toda a mente.
O poema é uma gaivota descansando em um cais no fim do oceano.
Um cão uiva na lua
Um cão uiva nos ramos
Um cão uiva na nudez
Um cão uivando com a mente pura.
Peço ao poema que ele seja tão puro quanto a barriga de uma gaivota.
O universo desmorona e revela um diamante
Duas palavras chamadas gaivota estão pacificamente flutuando lá onde as ondas estão.
O cão está morto lá com a lua, com os ramos, com minha nudez
E não há nada no universo como um diamante
Nada em toda a mente.



Jack Spicer



Foto:  https://www.pinterest.pt/cinafraga/