sexta-feira, 23 de agosto de 2019





Noturno 


A noite desliza pelos campos,
As mãos das nuvens passam pelo horizonte
E a escuridão dorme,
Em impressionante calmaria,
Sob as asas do silêncio.

Só se ouve o arrulho das pombas,
O murmúrio gemente dos córregos
E um ruído de passos na escuridão
Que caminham suavemente.

Sento, entregando-me à calma da noite,
Contemplo a cor da triste escuridão,
Lanço meus cantos ao espaço
E choro por todos os corações ingênuos.

Ouço o sussurro das palmeiras,
A chuva que cai na noite,
Os gemidos de uma rola na escuridão
Que canta longe entre os galhos
E a queixa distante de um moinho
Que geme na noite e chora de fadiga.
Seus gritos atravessam meus ouvidos
E vai morrer por trás das colinas.

Escuto... só se ouve as plantas.
Olho... só se vê a escuridão.
Nuvens, silêncio e uma noite triste.
Como não me sentir aflita?

A vida para mim é como esta noite:
Trevas, melancolia, desesperança,
Enquanto os demais sonham com clareza
Numa profunda e impressionante noite.

Choro contínuo da natureza,
Silêncio da escuridão, gemido dos ventos,
Suspiros da brisa noturna,
Lágrimas de orvalho nos olhos da manhã.

Vejo nas ribeiras da desgraça
A multidão dos aflitos,
O cortejo dos famintos
Afugentados pelos uivos do destino,
Sem poder pronunciar palavras de despedida.

Escuto: só os soluços
Mandam seu eco aos meus ouvidos
Por detrás das fortalezas e sobre os campos.
Então, quem pode cantar comigo?

No futuro levarei minha lira,
Chorarei a desgraça do universo
E declamarei minha compaixão pelo seu infortúnio

Aos ouvidos do cruel tempo.


Nazik Al-Malaika, poetisa iraquiana (1922-2007).




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