sexta-feira, 30 de março de 2018





Arte poética

a Charles Morice

Música acima de qualquer cousa,
E prefere o Ímpar, menos vulgar,
Que é bem mais vago e solúvel no ar,
Que nada pesa e que em nada pousa.
É bom também que saibas medir
Teus termos, não sem certo descuido:
Nada melhor do que o poema fluido
Que ao Indeciso o Preciso unir.
É um lindo olhar entre rendas raras,
É a luz que treme ao sol vertical,
É, por um céu de calma outonal,
A mescla azul das estrelas claras!
Nós só queremos o meio-tom,
Nada de Cor, somente a Nuança!
Oh! A Nuança é que faz a aliança
Do sonho ao sonho e do som ao som!
Evita sempre a Ponta daninha,
O cruel Espírito e o Riso alvar,
Que apenas fazem o Azul chorar,
E esse alho, enfim, de baixa cozinha!
Toma a eloquência e esgana-a! Farás
Bem em agir energicamente,
Tornando a Rima um tanto obediente.
Quem sabe lá do que ela é capaz?
Oh! quem diria os males da Rima?
Que criança surda, ou negro imbecil
Terá forjado essa joia vil
Que soa falsa e vã sob a lima?
Música, sempre e cada vez mais!
Seja o teu verso a cousa evolada
Que vem a nós de uma alma exilada
Em outros céus para outros ideais.
Seja o teu verso a boa aventura
Esparsa ao áspero ar da manhã,
Que vai cheirando a giesta e hortelã…
E tudo mais é literatura.


Paul Verlaine, poeta francês 1844/1896



Foto:  https://www.pinterest.pt/cinafraga/

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