Água em chamas
… E ele parecia um deus ao sair do banho.
Um banho te darei como as servas de Circe o deram a Ulisses,
como essas filhas dos bosques e das fontes
e dos rios sagrados que desaguam no mar,
encho a banheira de água e sirvo-te vinho.
Misturo num jacto de água quente com outra que arrefece,
enquanto os espelhos se embaciam e o silêncio vem de
mansinho;
um longo banho terás, o vinho iluminarão teu sangue,
descontrairá os músculos que eu banho com um jarro de água.
Tal como a quarta serva afastou a fadiga dos membros de
Ulisses,
Continuarei a dar-te banho, para que o mundo seja do tamanho
deste quarto,
onde os suaves vapores se adensam cada vez mais e as
fragrâncias do teu corpo
se expandem no quarto à medida que o calor te inunda tanto
por fora como por dentro.
Aproximo-me, lavo o teu pescoço e o teu peito,
acaricio o teu rosto, a tua nuca e os teus ombros,
reparo no prazer que avança à medida que depões as tuas
armas,
vejo que deixas relaxar os teus ombros e mergulhas no banho.
Tem de haver água para haver vida,
e os homens precisam de banhos demorados...
ensaboo-te e enxaguo-te de novo, o teu corpo torna-se
pesado,
não és só um homem mas todos os homens.
E quando te levantas do banho para emergir
és tão encantador como Telémaco
que foi banhado pela adorável donzela Policasta,
antes de ser ungido com óleo cintilante e coberto com túnica
e manto.
De quem é o amor que brilha através do mundo como um rio que
corre,
e porque flui tão puro como a alma
que vem em direcção a mim, tão deferente de tudo o que
conheci
no labirinto do palácio onde vagueei sozinha durante tanto
tempo.
Pia Tafdrup
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
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