quarta-feira, 2 de agosto de 2017





Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. 
Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se via ou ouvia um barulho,
ninguém passava entre as casas.
 Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski
 – seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.


Manoel de Barros


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

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