quarta-feira, 13 de setembro de 2023


 

 


 

Auto-retrato

 

Espáduas brancas palpitantes:

asas no exílio dum corpo.

Os braços calhas cintilantes

para o comboio da alma.

E os olhos emigrantes

no navio da pálpebra

encalhado em renúncia ou cobardia.

Por vezes fêmea. Por vezes monja.

Conforme a noite. Conforme o dia.

Molusco. Esponja

embebida num filtro de magia.

Aranha de ouro

presa na teia dos seus ardis.

E aos pés um coração de louça

quebrado em jogos infantis.

 

 Natália Correia,

in’ Poesia completa

 

Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999.

 

Natália Correia - Celebra-se hoje dia 13 o centenária do seu nascimento.

 

Annick Bouvattier Artist

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

 

 



 


Em tempo de paz convém ao homem serenidade e humildade; mas quando estoura a guerra, deve agir como um tigre!
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William Shakespeare 
 
 
 
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Skye Morrison Art
 
                                             
     

quarta-feira, 5 de julho de 2023

 

 

 


 

 

 

Amei-te sem Saberes

 

No avesso das palavras

Na contrária face

Da minha solidão

Eu te amei

E  acariciei

O teu imperceptível crescer

Como carne da lua

Nos nocturnos lábios entreabertos

E amei-te sem saberes

Amei-te sem o saber

Amando de te procurar

Amando de te inventar

No contorno do fogo

Desenhei o teu rosto

E para te reconhecer

Mudei de corpo

Troquei de noites

Juntei crepúsculo e alvorada

Para me acostumar

À tua intermitente ausência

Ensinei às timbilas

A espera do silêncio

 

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'

 

Mia Couto  - escritor e biólogo moçambicano. (1955)

 

 

quinta-feira, 25 de maio de 2023

 

 


 

 

 

Hora Mística

 

Noite caindo ... Céu de fogo e flores.

Voz de Crepúsculo exalando cores,

O céu vai cheio de Deus e de harmonia.

Silêncio ... Eis-me rezando aos fins do dia.

Névoa de luz criando imagens na água,

Nome das águas esculpindo os céus,

Tarde aos relevos húmidos de frágua,

Boca da noite, eis-me rezando a Deus.

Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,

Oh, cores na água vindo às mãos em branco!

Minha ópera de Sol ao último arranco.

E, oh! hora mística em que o olhar abraso,

Sol expirando aos Pórticos do Ocaso!

Dobra em meu peito um oceano em coro.

 

Afonso Duarte, in "Tragédia do Sol-Posto"